quarta-feira, 31 de março de 2010

O ARMÁRIO DO PAPA

Vivi e atuei na Igreja Católica até os 31 anos. Passei duas décadas internado em seminários repletos de meninos e adolescentes e em conventos escuros habitados por homens rígidos, bem-nutridos, a caminho do paraíso, desviando os atalhos que levam ao inferno. Os atos de pedofilia e homossexualismo, em seminários e conventos masculinos e femininos, foram cuidadosamente, durante séculos, empilhados em arquivos secretos.
Tive oportunidade de compreender, nesses anos de silêncio e meditação, a complexidade da verdade divina e da hipocrisia humana, da sinceridade e da mentira. Todas as falhas, tidas como pecados, eram debitadas à fragilidade do homem e à sua tendência à desobediência às leis e a contrariar a vontade de Deus. As virtudes, que também sustentam o espírito e o caráter, dependem do Espírito Santo sem mérito pessoal do cristão.
Essa escamoteação de sentimentos, ora escondendo-se na humildade, ora exaltando o poder superior, conduz à moral hipócrita. O confessionário é o banco dos réus. Nele se desfaz esse nó chamado pecado com a absolvição dada em nome de Deus. O pecado e o pecador são guardados em segredo pelo confessor.
Parte de um rosário extenso dentro de seminários, conventos, escolas católicas e paróquias, as últimas notícias de pedofilia atingiram o Vaticano e alcançaram o Papa. A Igreja Católica continua a ensinar que a pedofilia e o homossexualismo se enquadram na lista de pecados e até são considerados doenças do espírito. Essa doutrina impede que o papa, os cardeais, bispos e sacerdotes saiam do armário.
Essas doenças, para a Igreja, são incuráveis, mas devem ser tratadas com pílulas de oração e comprimidos de confissão semanal. Entram, portanto, no âmbito do segredo: sei, mas não posso dizer.
O menino bulinado denuncia o padre ao bispo. O bispo é denunciado ao cardeal. O cardeal é denunciado ao papa. O Papa é o representante de Deus e fala em nome Dele. O Papa deve ser denunciado a Deus que só proferirá sentença no Juízo Final. Enquanto isso, o Papa, como qualquer outro réu, negará que sabe o que sabe. Dirá que é fofoca do dia e intriga de ateus.
Foi essa hipocrisia oficial, pondo Deus como testemunha e juiz, que me fez romper com a Igreja Católica aos 31 anos de idade. Abri, palmo a palmo, o caminho da liberdade de pensar, de querer e de dizer, creditando e debitando a mim meus atos humanos.

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