segunda-feira, 1 de março de 2010

A TERRA É AZUL

De longe, olha-se para os picos nevados da Cordilheira dos Andes. Uma fila de agulhas alvas iluminadas pelo sol da manhã. O encanto desses vales atrai populações. Terras férteis, águas cristalinas. Dorme-se e desperta-se entre contrastes e surpresas. De repente, um estrondo, um tremor intenso, fumaça e lama. Em duas horas, a cidade colombiana de Armero, aos pés do Nevado Ruiz, 25 mil habitantes, desaparece soterrada. Uma paisagem desértica cobriu ruas, casas, hospitais, igrejas e todos os seus moradores.
Em Porto Príncipe, Haiti, onde o número de pobres é incontável, milhares de mortos anônimos vão para as valas. O Chile, algumas centenas de mortos, foi sacudido pelo choque de placas sob as águas do Pacífico. Tsunamis daqui e dali avisam que habitamos um planeta ainda inacabado. A casa está incompleta e desarrumada, apesar da beleza, das cores, dos perfumes e das brisas amenas. O planeta ainda não nos deu o habite-se definitivo. O piso não está firme. Há fogo debaixo do chão. Os ventos sopram com fúria. As nuvens descarregam seu peso de água onde bem lhes agrade.
O planeta Terra, tão belo e azul, visto de longe, trata com maus modos seus moradores. E sem aviso prévio despeja seus inquilinos, não lhes dando possibilidade de acordos, nem fiança. Inquilinos, fiadores, testemunhas e notários, todos para o olho da rua. No Chile, não obstante a severa catástrofe em mortes humanas, seus habitantes se prepararam para o pior, pois há o risco imprevisível de ser surpreendidos por movimentos súbitos de placas misteriosas.
No Brasil, graças a sua posição geográfica, não se necessitam terremotos para derrubar viadutos, demolir pontes e destruir rodovias. É bastante termos aqui um período de chuvas, desde sempre conhecido, para inundar cidades, desabrigar seus moradores, afogar incautos, desmontar prédios. Não precisamos de terremotos para chorar os mortos. São-nos suficientes as chuvas de verão, ansiosamente esperadas. Aqui, a prevenção de acidentes provocados por fenômenos naturais é uma vaga intenção.
Não bastasse isso, prédios ruem por decisão própria. Uma porta eletrônica dispara e degola um menino de sete anos. Um elevador pula de 10 metros de altura, no Ministério dos Esportes. A caçamba de um caminhão se desprende e esmaga o mecânico. Há uma rebelião das leis físicas em curso. A harmonia da natureza dá sinais de perigo.
O planeta Terra é, visto de longe, belo e azul. De perto, mostra cara feia, garras musculares, mandíbulas abertas. A força bruta, as ondas gigantes, o vento descontrolado e o fogo aceso dos vulcões são virtudes cardeais do planeta. De longe, a beleza fascina. De perto, as rugas decepcionam. A cara do planeta é esta, bela, azul e enrugada.
É com ele que, em alta velocidade, vamos girando no espaço onde, a qualquer momento, surpresas podem nos acordar no meio da madrugada que se anunciava luminosa.

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