Pergunto-me por que estou diante desta folha de
diário. Que pretendo? Devo dizer o que a quem? Quem está disposto a ouvir ou
ler o que digo e escrevo?
Olho pela janela. Da janela, vejo o universo. Bem-te-vis
e sabiás, anus pretos e caturritas faladoras saltam de galho em galho e deixam
no ar seus voos de liberdade. Vão do ninho ao armazém de comida, no afã da
sobrevivência. Vou à estante em busca de socorro. Cecília, Hannah, onde estão?
Ruído febril entra pela janela. Automóveis, nesta
manhã de sábado, como em todas as manhãs, rodam para todas as direções em
desabalada correria contra as orientações de velocidade das pistas. Para um
lado e para outro. Não importa. Todos querem chegar em tempo mínimo a algum
lugar. A maior parte deles não vai ao ninho. Que farão, lá, aonde vão? Operam
máquinas. Abrem gavetas. Empilham pastas e papeis. Falam ao telefone. Conversam
sobre futebol ou a compra do carro para a o filho, ou filha, que passou no
vestibular. Enquanto o computador se arma para provocar no funcionário um
ataque de nervos, toma um cafezinho e visita o colega no andar de cima. Dizem
que o sistema está fora do ar.
Centenas de outras pessoas saem de seus carros e
entram no supermercado, caminham pelo centro comercial, sobem e descem por
escadas rolantes. Param diante de vitrinas. Olham sapatos, camisas, sofás,
geladeiras, a parafernália eletrônica. Lancham no Café Marietta. Voltam ao
automóvel, dão um real ao cuidador, de sandálias havaianas e pano vermelho. Ligam
o som e rodam novamente por avenidas esburacadas. Criticam o governo. Maldizem
a incompetência, a desorganização, a falta de conservação das vias. Que fazem
com o dinheiro das multas alcaguetadas pelos pardais?
Vou à janela. Lá está o bem-te-vi na ponta do galho
seco. Então, volto à folha do diário e penso na grandeza do universo. O universo
é imenso. Não cabe numa folha de diário.
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