terça-feira, 16 de dezembro de 2008

SEMÁFOROS E PARDAIS

A cidade é para o cidadão. As ruas, para as pessoas caminharem, ir ao trabalho, visitar amigos, abastecer-se de bens necessários ao conforto da vida.
Os longos caminhos do campo que uniam vizinhos distantes foram encurtados com o surgimento de feudos e burgos. Os arredores dos castelos ou dos palácios de reis e príncipes foram se enchendo de gente que se espalharam por onde lhes era fácil e permitido.
As ruas foram ligando as casas em todas as direções. A passagem de uma liteira, de um cavalo, de uma caleça não exigia mais do que dois a três metros de largura. O automóvel ainda hoje não passa em algumas dessas vielas de cidades antigas. Em outras, para satisfazer ao domínio crescente da máquina, reduziu-se a quase nada a calçada que servia de solar à entrada das casas.
A velocidade e a pressa degradam a mente do cidadão. Ele criou exigências e se impôs atitudes irracionais. Inventou a máquina e se fez escravo dela. Em nome da eficiência e da eficácia tudo tem de ser mais rápido, sem perda de tempo. Os contatos de primeiro grau cederam aos de terceiro. A pressa é necessária. A velocidade é a solução.
Para conter o excesso de velocidade, causa freqüente de mortes do cidadão, criam-se leis e obstáculos: barreiras eletrônicas, pardais, sonorizadores, placas de advertência, sinalizações diversas, semáforos. Todos têm um objetivo pouco enfatizado: garantir que todos cheguem sãos e salvos ao destino. Nem sempre isso ocorre.
A irracionalidade no uso da máquina é tal que para atender às cobranças da pressa e da velocidade é preciso criar mecanismos contraditórios. Conter a velocidade, aumentando a ansiedade produzida pela pressa.
O cidadão está numa prisão que os técnicos e administradores denominam sistema de trânsito, controlado por dezenas de órgãos e sub-órgãos, e milhares de funcionários das mais variadas categorias profissionais. Elas representam desde o inventor do pardal com sua câmara fotográfica armada para disparar à menor distração do condutor até o agente de trânsito que multa e recolhe o veículo ao depósito.
A invenção das barreiras eletrônicas e dos semáforos faz hoje a festa das sanções, das multas e da arrecadação do dinheiro do cidadão. O imposto e a multa são uma extensão da esmola que o pobre pede na rua para sobreviver. O rei preguiçoso da antiguidade impôs ao súdito uma contribuição para morar em suas terras.
Ineficiente e cara, a moderna administração age da mesma forma. Se o cidadão examinar com atenção verá que os idealizadores e controladores do sistema de trânsito usam o raciocínio de entradas e saídas e caem vítimas da própria invenção. Uma espécie de masoquismo burocrático. Todos eles têm em mira a velocidade e a pressa, buscando contorná-las com um efeito grandioso: a fluidez. O trânsito flui. E para fluir é preciso criar barreiras, retenções, semáforos.
− Com tantos semáforos na W-3 e na L-2 o trânsito não flui, engarrafa, escreveu um leitor ao Correio Braziliense.
− Novos retornos estão sendo oferecidos aos condutores para evitar longas filas nos semáforos existentes, cuja localização impede a fluidez do tráfego, responde um controlador do sistema..
O resultado, com o aumento de carros em circulação, é apenas o deslocamento de filas e engarrafamentos. A fila foi transferida para o novo retorno com semáforo a 100 metros atrás.
Parece que os controladores do sistema brincam com seu funcionamento para se iludir durante as horas fastidiosas do trabalho.
Um sistema de trânsito que esquece o pedestre – o cidadão pedestre − e o exclui das ruas para dar espaço ao movimento do carro individual não resolve a equação velocidade e pressa.
A solução está na racionalidade cuja equação é: menos carros, mais espaço e, portanto, mais fluidez. O sistema de trânsito de uma cidade começa com as facilidades para o cidadão caminhar.
O meio de transporte que o cidadão precisa para ir a lugares e logradouros públicos é apenas um meio. O sistema de trânsito irracional que nos aprisiona toma o automóvel individual como um objetivo, não importa a finalidade do uso da máquina. O cidadão – condutor do carro − tornou-se tão irracional quanto o sistema que o aprisiona. O cidadão-condutor sustenta um sistema sem solução.

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