quarta-feira, 30 de outubro de 2013

ECOLOGIA III PARTE

III PARTE: – dificuldades e expectativas

(Aos que leram a I e II parte, peço paciência pela leitura da III parte que é mais longa) 

Uma nova forma de prosperidade é possível se a comunidade humana atacar alguns pontos difíceis de equacionar, mas necessários para estabelecer novos termos de relação com a natureza, proteger a biodiversidade, garantir uma harmonia desejável entre todas as formas de vida e propiciar qualidade e felicidade à espécie humana universal. Tempo e persistência são requisitos para que a inteligência, a sabedoria e a solidariedade do homo sapiens alcancem estágios progressivos de felicidade para todos os seres humanos.
Uma das dificuldades estratégicas é mudar a direção do enfoque até hoje dado às riquezas naturais disponíveis a todos os seres vivos e rever a ênfase dos comportamentos humanos em relação ao uso e usufruto delas como se elas se destinassem prioritária e exclusivamente à espécie humana. Atitude também dita antropocentrismo, isto é, tudo foi pensado e realizado para benefício exclusivo do ser humano.
Quais pontos podem ser analisados de forma diferente e que outras medidas devem ser adotadas para aperfeiçoar as relações da espécie humana com a natureza, com todas as formas de vida nela existentes como parte da biodiversidade universal?
A questão central para compreender a natureza das coisas e agir em consonância à sabedoria que dela emana é a interdependência de todos os seres vivos na percepção de que todos são iguais perante a vida e que a vida se alimenta de vidas. A interdependência supõe um ponto de equilíbrio para que a cadeia trófica se mantenha em movimento com o fim de nutrir e favorecer a reprodução de todas as espécies vivas. Não há, portanto, privilégios biológicos para conferir prerrogativas exclusivas a qualquer espécie viva. Todas as espécies são regidas por leis biológicas e tendem à manutenção do equilíbrio necessário à reprodução da vida. A que pode se opor à lei do equilíbrio, por ser a única a ter consciência da reprodução da própria vida, é a espécie a humana. A espécie humana passa grande parte da vida a restabelecer o equilíbrio rompido. Graças a essa mesma consciência é possível à espécie humana encontrar um novo comportamento inteligente para controlar o ponto de equilíbrio.

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Parece evidente que o fator primeiro que pode desencadear o desequilíbrio das relações de interdependência dos seres vivos e que, a prazo longo, pode ser prejudicial à reprodução da vida no planeta Terra é o crescimento sem controle da população humana. Quando uma única espécie domina grandes extensões, a variedade da biodiversidade se reduz. No caso de superpopulação humana, regiões férteis se tornaram desérticas, tanto pela intensidade do uso do solo para produção de alimentos, quanto pela urbanização. A espécie humana encontra meios de sobreviver e se reproduzir em qualquer parte do planeta colhendo frutos gratuitos na prateleira da natureza ou produzindo o alimento necessário à sobrevivência.
 Desde que se estabeleceu definitivamente sobre o chão, a espécie humana empregou todos os artifícios da mobilidade em busca de outros espaços físicos, da rudeza de seus pés ao lombo do cavalo, da piroga ao navio, do automóvel ao avião. Descobriu, ao longo de milênios, que a cooperação era necessária para sobreviver mesmo empurrado pela força imanente da competição social com o fim de garantir sua reprodução.
O desequilíbrio entre cooperação grupal e competição social não só afeta as relações humanas como pode perturbar a manutenção da ampla e necessária biodiversidade. A cooperação se desenvolve mais facilmente com um pequeno grupo de pessoas (As tribos em nossa civilização têm aproximadamente 120 membros). Entre povos e nações a competição social é mais evidente. Entra em jogo o sentimento de solidariedade na ocorrência de cataclismos ou dificuldades de cooperação quando as relações entre os grupos não são pacíficas.
A organização social, política, cultural, jurídica ou religiosa pode gerar leis, normas, programas de governo de qualquer regime (autoritário, democrático, monárquico, imperial) que estimulam e exacerbam a competição social e dificultam a cooperação entre diferentes grupos.

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O aspecto do crescimento demográfico, então, deve ser visto como o de maior importância. Dele deriva o maior risco para o desequilíbrio biológico na reprodução da biodiversidade, nesta incluída a espécie humana. A matéria consciente, o homo sapiens, é a parte mais responsável, ou deveria ser, para assegurar o equilíbrio da natureza. Só a espécie humana, por sua equivocada ação e por desvio de sua compreensão do lugar que ocupa no universo pode perturbar o equilíbrio da interdependência dos seres vivos com respeito à sobrevivência e reprodução. O desequilíbrio provocado na natureza afeta as relações entre as pessoas. A felicidade individual e social entra em convulsão cujos efeitos se disseminam e contaminam o organismo humano universal.
É evidente que o número de componentes de uma comunidade, ao longo do tempo e envolto em circunstâncias ambientais específicas (água, alimentos, espaço físico), sugere uma forma de organização que vai do tipo simples ao complexo. O que se observa, em grandes populações, é a lenta evolução da capacidade de organização por parte dos estamentos que se julgam aptos a tomar o poder de comandar os súditos. A experiência histórica tem demonstrado, na maioria dos países com grandes populações, que o crescimento demográfico é mais rápido do que a expansão de sua capacidade de organização e administração de grupos humanos. Só os países com pequenas populações (países nórdicos) conseguiram, com algumas restrições, estabelecer um sistema de organização social e política que inclui a universalidade dos cidadãos. Civilizações, como incas, maias e astecas, levaram séculos para se consolidarem (e se dissolverem).
O nascimento de novas nações e a expansão da população com o povoamento de extensos continentes, nos últimos quinhentos anos, se orientaram à formulação de regras, leis, decretos e à administração pela força burocrática, submetendo as pessoas a simples executores chegando-se à impessoalidade quase absoluta. O eu da convivência transforma-se numa engrenagem autômata que produz atos sociais sem saber para que ou para quem servem. Chega-se, hoje, ao ponto ômega da organização impessoal, sem face, sem liberdade, oprimindo teclas e botões eletrônicos. A espécie humana já não se percebe ligada pela linha de transmissão do eu para o outro eu – linha da eudade ou alteridade – mas pela fibra ótica que mantém os dialogantes invisíveis e a uma prudente distância.
A manipulação exacerbada pelos detentores do poder, dentro de uma organização, subestima a imensa quantidade de neurônios cerebrais em permanente funcionamento na variedade de grupos humanos numa grande e incontrolável comunidade. Nesta se mesclam subordinação, contestação, apatia, protestos, anarquia, cooperação, competição. Esquece-se facilmente que administrar leis, regras, ordens, programas não se confunde com tratamento de pessoas cujo cérebro está configurado para o diálogo cooperativo e competitivo.

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O controle da evolução humana, seja como seja, deve conter alguma medida de controle da reprodução humana, tanto em quantidade quanto em qualidade. (George Gaylord Simpson, This View of Life. The World of an Evolutionist (1963)

Controle do crescimento demográfico não significa ódio à humanidade nem insensibilidade ao sorriso de uma criança de dois meses. Não se propõe uma atitude de favorecimento ao aborto indiscriminado, embora seja mais frequente e mais amplo do que os números conhecidos em todas as espécies vivas. O controle demográfico pela via do planejamento populacional, não atrelado a um programa dirigido de cima para baixo, não se dirige a classes sociais específicas ou a países de economias primitivas. É uma conduta racional e mesmo natural diante das condições essenciais da sobrevivência e reprodução tanto em aspectos físicos – água, alimento, abrigo, espaço – quanto em aspectos sociais e culturais – educação, organização, saúde, lazer.
É um assunto a ser ampla e abertamente debatido por todos os meios de informação e divulgação para atingir todos os grupos, todos os países, todas as idades independentemente de sexo ou condição econômica. Uma proposta ampla e democrática de alcançar uma sociedade humana mais livre, mais justa, mais responsável em sua atuação no planeta, para que possam viver felizes nele também as gerações futuras, se afigura digna de ser pensada e incluída na Declaração Universal dos Direitos Humanos. É interesse e quiçá obrigação de todos os indivíduos decidirem sobre o controle da reprodução para o bem universal da espécie humana.
As estatísticas demográficas apontam para um índice de fertilidade, hoje menor, em muitos países, do que era na década de 50 ou 60. Mas um índice médio global apenas não é tranquilizante. Se em algum país, ou em alguma região do país, a população cresce geometricamente, acima da reposição familiar, os efeitos são sistêmicos sobre toda a natureza. Cada ser humano, para mencionar apenas uma espécie viva, precisa de água, comida, espaço. Todos esses elementos, além de escassos, são finitos.
O fato de a humanidade estar envelhecendo mais demoradamente compensa o baixo índice de fertilidade. Uma população mais idosa, além de mais experiente em algumas áreas, terá que adaptar-se à evolução de outras. Ademais, sua idade necessita de apoios, de cuidados especializados, de dispositivos sociais adequados que pesarão sobre o ecossistema. Conclui-se que o controle da natalidade deveria alcançar o ponto de simples reposição, (um filho por casal?) até se chegar ao equilíbrio de uma população adequada à oferta natural também limitada de bens para a sobrevivência de todos os seres. É preciso lembrar que, quando se menciona o crescimento da população, estão implícitos os milhões de animais que lhe servem de comida e que com ele compartem o mesmo espaço do planeta e todos se somam para comprometer a capacidade de carga do ecossistema.
A mobilidade da atual superpopulação mundial, associada à incapacidade, à ineficácia e à inépcia dos mecanismos sociais e psicológicos, políticos e econômicos de sua administração, se manifesta de várias formas. Grupos de imigrantes fustigados pela fome, pela escassez de água, por falta de trabalho criativo em seus territórios de origem se dirigem a países ricos, muitos deles antigos colonizadores e exploradores de suas riquezas. Independentemente do conceito de justiça, o que se vem observando em países alvo de imigrações, é o comprometimento da capacidade de carga de ecossistemas já superexplorados.
Com frequência, ao redor de grandes cidades ou metrópoles, invasões e ocupações planejadas ou empurradas por alguma necessidade ou interesse degradam o ecossistema e seus autores se tornam vítimas de fenômenos naturais que também precisam de espaço para se manifestar. Há que se reconhecer que nem sempre a sociedade humana tem demonstrado disposição e propensão a construir mecanismos sociais e psicológicos eficientes, capazes de harmonizar cooperação grupal e competição social, para administrar o crescimento equilibrado da população. Esse desequilíbrio pode ser apontado como uma das causas da desigualdade entre os habitantes de um mesmo país e entre povos de diferentes regiões do planeta. A concentração de riqueza em poucas mãos e a desigualdade na repartição e acesso aos bens comuns da natureza são indicativos de injustiça distributiva e se agravam com a superpopulação global. A acumulação de bens e riquezas em setores privilegiados da economia tem, frequentemente, nos governos estabelecidos, um forte aliado que exacerba a desigualdade e contradiz a retórica da igualdade.

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Há que se mencionar, com critérios científicos, os limites da capacidade de carga dos ecossistemas. Dessa limitação se origina uma “corrida armamentista” entre todas as espécies. Há que convir, a espécie humana, entre todas as espécies, é a que mais explora as riquezas naturais. Chega um momento em que a biodiversidade alcança um ponto de saturação: já não cabem mais espécies. Este fenômeno não acontece todos os dias nem em todos os séculos ou milênios. “Grandes mudanças físicas, alheias à biosfera, fatores abióticos ou causas bióticas não previsíveis podem eliminar espécies ou criar novas condições para o surgimento de outras”. (J. L. Arsuaga & M. Martin-Loeches, El sello indeleble, Debate, Madrid, 2013)

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Reações ao controle do crescimento populacional têm surgido de fontes distintas: religiosas, políticas, econômicas, psicológicas. Propor ou defender o crescimento da população por razões econômicas é uma afronta moral à própria espécie humana. É compreensível o constrangimento ético ao dizer que não deveriam existir outros milhões ou bilhões de seres humanos. Inconscientemente, pensa-se em vidas a serem eliminadas e não vidas potenciais que ainda não existem. Há um respeito plausível para com os seres não existentes por temor ou má consciência a nos considerar superiores e recusar-lhes o direito de vir a existir. Fetichismo, superstição ou trans-humanismo.
Há quem considere obrigatória a reprodução e, por educação cultural ou religiosa, dá ao sexo apenas a função irrevogável da reprodução. Parece haver um complexo de culpa histórico que envolve amor, sexo e reprodução. Não se afigura nada de mal em controlar o crescimento demográfico desde que menor quantidade signifique melhor qualidade para todos na organização social e no espaço em que vivem. “Se não alterarmos drasticamente a organização de nossa própria reprodução, não há esperança de conseguir que a espécie humana seja muito mais inatamente altruísta do que é no presente”. (J. B. S. Haldane, The Causes of Evolution, 1926, Londres, cofundador da Genética populacional).
A espécie humana não pode ser vista apenas como produtora de soldados para bucha de canhão. Ou apenas fornecedora de força de trabalho ou vendedora ambulante de seu tempo. Ou consumidora insaciável de quinquilharias. Ou apática cumpridora de ordens, regras, leis, ritos quando não submetida a eles sem possibilidade de expressar seu pensamento ou privar de sua liberdade.
A expansão demográfica, estimulada pela evolução da espécie, é ordenada pela organização biológica da qual brota a organização social e a consequente convivência para a reprodução. Nessa cadeia evolutiva, há um ingrediente especifico e único da consciência do eu na espécie humana que reconhece no outro um eu independente, mas todas as pessoas e todos os grupos são movidos pelo processo de cooperação e competição social. A organização social dependerá de como o ser consciente, inteligente, racional compreende e administra esses dois eixos que dirigem a sociedade humana.
O ponto ômega de todo ser vivo é a plenitude de seu organismo biológico. Na espécie humana, a plenitude de seu organismo biológico é complementada pela felicidade consciente e livre. É na direção da felicidade consciente e livre que aponta o destino humano em sua caminhada existencial. Dar outra direção, submeter a caminhada humana aos requerimentos da mera organização política ou econômica sob a mística do crescimento e acumulação de riquezas para exaltação do poderio e da grandeza artificiosa do homo sapiens é um descaminho que pode levar ao precipício social. É erigir os meios de sobrevivência como um fim último em que o ter e o possuir substituem o ser e a liberdade. É uma forma de ditadura sutil e gozosa que veste o corpo, mas desnuda e desvirtua a consciência.




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A sobrevivência e reprodução da espécie humana, além de estar submetida às leis físicas e biológicas da interdependência dos seres vivos, dependem da eficácia de sua auto-organização. A organização da espécie humana, embora mais visível nos últimos dez mil anos, ela se forjou ao longo de pelo menos 200.000 anos. A coleta de alimentos, a caça e a pesca, a produção de sementes e a domesticação de animais, aliadas ao uso da madeira para a construção de moradias e móveis provocaram, ao longo de milênios, a devastação de imensas florestas na África, Ásia e Europa. Nos últimos quinhentos anos o planeta foi literalmente povoado, Milhões de hectares de florestas, nos novos continentes ocupados, foram transformados em campos de cereais e de criação de animais. A pressão sobre os elementos essenciais, especialmente o solo e a água, reduziu a biodiversidade. A expansão das cidades, a concentração da demanda por alimentos, o requerimento de serviços de limpeza e de esgotamento das águas da chuva, de educação, de cuidados para a saúde pública tornaram complexa a auto-organização da população, quando não caótica, diante do que se convencionou denominar explosão demográfica.
No início da década de 1970, o Clube de Roma alertava para o risco da superpopulação mundial e sugeria que em todos os países se pensassem mecanismos para o controle da natalidade por meio do livre e racional planejamento familiar. Sentia-se à época, com 3,7 bilhões de habitantes, que a capacidade de carga dos ecossistemas se aproximava dos limites e, em consequência, nas próximas décadas, milhões de pessoas teriam sérias dificuldades de acesso à água e comida suficiente, sem falar de escassez de escolas e hospitais. A população atual de 7 bilhões requer do solo mais alimento com um séquito de parafernália tecnológica em máquinas, laboratórios, fertilizantes, agrotóxicos, consumo de água, poluição de aquíferos, corte e queima de florestas. Dois bilhões de pessoas não tem acesso a volume diário de água suficiente e necessário e cerca de um bilhão não se alimenta todos os dias. (Relatório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultur – FAO, 2013)

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Os sistemas de produção e industrialização de alimentos, atividade econômica essencial, e todos os demais serviços que deles se originam, o avanço da tecnologia em transporte, energia e comunicação criaram na sociedade humana, representada pelos governos das nações, a mística do crescimento econômico ilimitado que transforma, na prática, os meios de sobrevivência em fim a ser alcançado. Os meios de sobrevivência são comandados por um ente invisível, autoritário, impassível, insensível, maquiavélico e tredo ao qual se atribui poder de ditar leis conhecido vulgarmente como mercado ao qual se dá status de ente decisório e ordenador.
Grande parte dos dispositivos e de equipamentos sociais (universidades, centros de tecnologia e pesquisa, institutos de incentivo à inovação, bancos públicos e privados, cursos de treinamento para a eficiência e o planejamento estratégico, e muitos etcéteras) se destina ao crescimento econômico e depende dele. A sociedade atual parece não subsistir sem o crescimento, e o elo social está baseado na produção de bens em série, úteis e supérfluos. O ciclo do crescimento inicia-se na produção de bens e serviços para o consumo intenso, estimulado por créditos bancários ou favores governamentais, que gera lucro e realimenta a produção. O crescimento econômico, hoje em processo, é garantido pela produção intensiva e multifária de itens que possam ser consumidos pelo indivíduo autônomo – individualização do consumo –  tais como celulares, computadores, tablets, automóveis, entre outros, que dão à pessoa um sentido de liberdade, de autogratificação e emancipação. Mesmo as populações de renda quase de sobrevivência, de nível de educação primária, buscam nesses itens um fator de equiparação social. A obsessão e a mística do crescimento converteram antigos promotores do socialismo e contaminaram todas as facções pragmáticas de esquerda para a conquista do poder político.
Como interromper esse desvio de comportamento nas relações de convivência social e alcançar um desejável equilíbrio entre a cooperação necessária e a competição biológica para a sobrevivência e a felicidade humana? Como romper o ciclo invasivo produção – consumo – lucro – produção? Por que é prudente e oportuno rompê-lo? Por que é necessária outra via, outra forma de satisfazer as necessidades da espécie humana: físicas, culturais, sociais e de tempo livre para o lazer? Esta outra via está intimamente relacionada com uma nova concepção do trabalho humano e de seu tempo disponível para que o homo sapiens construa o caminho de sua felicidade.
O crescimento econômico tal como se apresenta, sem perspectivas de mudanças a curto prazo, acentua a crise de valores humanos e a agressão ecológica com seu séquito de poluição, de ecossistemas degradados, de emissão de gás de efeito estufa capazes de provocar desregramentos climáticos maiores (Dominique Méda, socióloga, Universidade de Paris-Dauphine, in Libéracion). O Clube de Roma advertia, há quarenta anos, para os riscos de um crescimento econômico desatrelado dos cuidados com o ecossistema e com a capacidade de carga do planeta.
Frear o atual crescimento econômico, sob o comandado de empresas que concentram decisões em âmbito mundial, por práticas mais harmonizadas com os ecossistemas para atender às necessidades humanas, não implica em regressão, nem exige o sacrifício da prosperidade e do progresso evolutivo. Por exemplo, reduzindo de forma radical a queima de combustível fóssil. Formas alternativas de uso das riquezas naturais, não significam, igualmente, pedir aos pobres que reduzam o consumo de comida e bens essenciais como saúde, educação, trabalho e lazer. Nem se pedem sacrifícios a países menos desenvolvidos de reduzir o necessário e suficiente consumo de bens em nome de uma mudança climática que pode ocorrer em 2050. Reorientar o consumo não significa privar-se dele.

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Outra via para a humanidade, em consonância com a disponibilidade de riquezas naturais finitas, sugere elencar uma priorização racional de produtos e serviços e propiciar o acesso universal a eles. A título de ensaio, adaptável segundo as características de cada comunidade, as prioridades respondem essencialmente a uma escala de demandas da população: alimentos, saúde, educação, tecnologias relacionadas aos três primeiros itens, à comunicação e informação, transporte público de massa e mobilização solidária, estímulo aos pequenos negócios locais. Num mundo globalizado, com tendência à homogeneização das ideias, dos costumes e das formas artificiais para dar escala ao consumo, algumas indicações para contrabalançar a perda de identidade de populações indefesas são a descentralização de atividades econômicas, sociais e culturais, o reconhecimento ativo da importância da expressão das variedades e diversidades locais e regionais e o intercâmbio das diferentes manifestações regionais da população.
Por que não unir programas de transferência de renda à criação de postos de trabalho? O tempo e o trabalho de milhares de cidadãos podem ser empregados na recuperação de áreas degradadas, na proteção de mananciais, florestas e animais selvagens, em sistemas de captação de águas pluviais para a produção agrícola, na educação ambiental aos agricultores contra o uso de agrotóxicos e a prática do fogo, na humanização e arborização das rodovias, na observância da regulamentação da coleta do lixo. Serão milhares de agentes ambientais protetores do ecossistema e estimuladores da reprodução da biodiversidade.
Há que se reconhecer, mesmo aceitando o valor da denominada “iniciativa privada” e da liberdade quase anárquica de apropriação das riquezas naturais, a responsabilidade inalienável do Estado como representante jurídico dos interesses maiores e essenciais da população que o integra. Governar é administrar as necessidades de uma população na escala de prioridades sociais e culturais que delas emanam. Trata-se, então, de melhorar gradativamente a eficiência dos servidores do Estado para que toda a população alcance um alto grau de igualdade de oportunidades que favoreçam a construção da comunidade de forma participativa. Não se preconiza o cerceamento de iniciativas particulares que, à margem do Estado, mas não contra ele, busquem com a mesma eficiência contribuir para a cooperação grupal e a competição social sem restrição das liberdades e diferenças existentes na população.
Os recursos financeiros do Estado, como há séculos a humanidade conhece, provirão de impostos e taxas de serviços prestados à população (água, energia, transporte...) e sobre fortunas amealhadas com a participação do trabalho e do tempo de milhões de cidadãos para benefício comum.


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Trata-se de uma causa comum: a sobrevivência da vida no planeta fundamentada na interdependência de todas as formas de vida. Maior responsabilidade cabe ao ser consciente, ao homo sapiens. São tantos os aspectos modificados pela obsessão e pela mística do crescimento que, hoje, não se pode reabilitá-los todos ao mesmo tempo. A contaminação é tão profunda e dominadora que a maioria da população está por ela afetada. Quiçá, pode-se contar com um quinto ou um sexto da população, entre crianças atraídas pela natureza, trabalhadores que se orientem a valorizar mais suas condições de trabalho do que a repartir o lucro empresarial a qualquer preço, jovens que podem ver um mundo diferente e possível à sua frente, organizações independentes e cientistas de universidades, empresas de boa vontade para com o ecossistema e governos que desejem promover o bem-estar da população sem pôr no crescimento das quantidades de bens e serviços o alfa e o ômega de seu desempenho e ambição política. Esse conjunto de pessoas e instituições parece permeável a uma nova via de uso da riqueza natural em benefício de todos os seres vivos do planeta. Mudar a direção e restabelecer o alvo da vida humana em duas palavras pode ser um ponto de partida: ser feliz! Infelizmente, o PIB do crescimento econômico não inclui indicadores fiáveis para medir as aproximações do ser humano à felicidade.
A maneira como as oportunidades de educação, do trabalho humano, da remuneração sejam permanentemente redistribuídas e ajustadas será um componente maior de saúde da sociedade e de sua capacidade de resistir à explosão e à anomia.


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