quinta-feira, 17 de outubro de 2013

ECOLOGIA: CATECISMO DA AUSTERIDADE OU NOVA FORMA DE PROSPERIDADE – II PARTE

Nota: Aos frequentadores desta página, apresento a segunda parte do texto com o mesmo título. A terceira parte: UMA NOVA FORMA DE PROSPERIDADE, completará o texto.


Os defensores do equilíbrio natural das coisas (Lucrécio, De rerum natura, séc. I a.C.), os promotores de uma ecologia inteligente e compreensiva não só têm a árdua tarefa de disseminar informações científicas, ideias e propostas para a sociedade indiferente ou voltada francamente para extorquir da natureza o que lhe aprouver, como ainda defender-se das acusações e inverdades contra eles lançadas.
Nesta segunda parte, serão incluídas informações que não constam dos relatórios divulgados pelo IPCC ( Sigla em inglês – Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) por não serem de interesse imediato dos Estados e Nações que contribuem financeiramente para a realização dos estudos e pesquisas sobre o aquecimento global do planeta.
Em primeiro lugar, a ecologia deve ser considerada como um todo unitário e complexo. A ecologia compreende o exame cuidadoso da casa (oikos,Gr.) na qual habitam todos os seres vivos. Esta casa denomina-se Natureza. Nela estão os seres inanimados ou a matéria inanimada, os seres animados ou matéria viva e, entre os seres animados, a espécie humana ou matéria consciente. Todos os seres vivos são compostos dos mesmos elementos: hidrogênio e carbono. A espécie humana, em milhões de anos de evolução, foi a única que desenvolveu, no músculo cerebral, a consciência do eu. Além de reconhecer-se como ser vivo e distinguir milhares de outros seres vivos, é capaz de reconhecer exemplares da mesma espécie e comunicar-se com eles. Não há que esquecer, a espécie humana traz, em seu organismo, o DNA humilde da primeira molécula do pântano original.
Os seres vivos são dotados das mesmas características evolutivas de sobrevivência e reprodução. O elo que une a todos é a vida. A continuidade da vida depende das condições climáticas e ambientais favoráveis à sobrevivência e à reprodução de espécies vivas. Este é o ponto mais delicado e frágil de nossa casa, de nosso habitat comum. Nenhum ser vivo é privilegiado a ponto de reclamar prioridade na sobrevivência e reprodução. O clima é ao mesmo tempo doador e receptor de vidas e estabelece uma corrente de interdependência de todos os seres. Quando um fenômeno natural, como vulcão ou terremoto, destrói parte dos seres vivos de uma região, suas consequências se alastram a todo o sistema natural. Há uma diminuição temporária da biodiversidade e um encolhimento da biocomunidade local de consequências sistêmicas. Sua recuperação pode demorar séculos ou milênios.
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Os seres vivos de uma mesma espécie, em sua expansão e dominação espacial, em uma determinada região, podem provocar consequências semelhantes a fenômenos naturais de grandes dimensões. A biodiversidade das regiões nórdicas, com a incidência massiva de coníferas, é bem menor do que a do Cerrado brasileiro ou da Cordilheira Andina. E apenas sobrevivem nelas as que se adaptaram a frios prolongados, a dias curtos compensados com alguns meses de dias longos, durante os quais elas recuperam as energias gastas durante o inverno. A espécie humana participa da sobriedade da oferta de alimentos desse clima e faz, como as plantas, suas provisões durante o curto verão.
A biodiversidade, pouco conhecida, nas profundezas dos oceanos é infinitamente maior do que a de nossos rios devastados pela poluição urbana e rural. É dos oceanos que nos vem a chuva e a oferta de alimentos.

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Há, pela natureza das coisas, relações estruturais, isto é, de composição orgânica, entre os seres vivos e entre eles e as condições favoráveis ou desfavoráveis do clima e suas modificações submissas às leis físicas. Existem, ao mesmo tempo, forças de atração que propiciam cooperação entre os seres vivos e competição existencial, por vezes cruel, para garantir a sobrevivência de uns em detrimento de outros. As vidas se alimentam de vidas. É a lei da natureza. Mas o equilíbrio entre a cooperação e a competição, com exceção dos efeitos do desencadeamento dos fenômenos naturais incontroláveis, pode ser rompido pela matéria consciente, pela espécie humana, pelo homo sapiens que se dá a si o direito de dominação sobre outras vidas, quando lhe cabe apenas o uso complementar dos bens da natureza para a continuidade da vida.
Os seres que têm mais aptidão para cooperar e competir resistem às condições climáticas adversas e se impõem sobre os demais. Neste ponto é que reside o perigo e entram as discussões sobre se é verdade que o crescimento numérico da população humana do planeta ameaça o equilíbrio da natureza. Há, pelo menos, 70 mil anos que a espécie humana encetou sua migração do continente africano para todas as regiões do planeta. E, com altos e baixos, se deu bem em todas elas. Criou idiomas, construiu culturas e civilizações, adaptou-se a diferentes biomas e climas, selecionou os alimentos necessários e suficientes para sua sobrevivência, domesticou animais que o auxiliam em alguns serviços e lhe dão comida, inventou utensílios, canalizou águas, dominou o fogo e se aventura em equipamentos tecnológicos, cada dia mais surpreendentes, mas sempre subordinados às leis físicas inalteráveis que lhe ditam os limites.

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Quem pode resistir ao homo sapiens senão o homo sapiens? Quais são os limites da espécie humana? Os limites são dados pelas leis físicas e pelas leis biológicas que regem a vida de todos os seres. Aqui se dividem as interpretações. Uma, que o ser humano, com sua capacidade e desenvolvimento cerebral, é capaz de solucionar todos os problemas e dificuldades que ele mesmo cria. Portanto, não importa o que faz, como faz, quando faz e quanto faz. Outra, que o ser humano é limitado em sua criatividade cerebral e, embora possa usar e dispor dos elementos da natureza que lhe garantem a vida, não pode criar o ar, a água, a terra e o fogo. Esses elementos lhe são dados. Portanto, a sobrevivência e a reprodução da espécie humana e a de todas as formas de vida vinculam-se à interdependência de todos os seres vivos e dos elementos naturais essenciais à vida.
Os que se alinham à limitação do agir e do fazer da espécie humana e que propõem medidas inteligentes e conscientes de preservação da biodiversidade ampla e irrestrita, de defesa de todas as formas de vida e da necessidade de manter o equilíbrio para assegurar a existência de todas as energias vitais do planeta, são os ecologistas recrutados em todas as profissões. Implícito está, no conceito de interdependência, o limite de crescimento da população da espécie humana pelo fato de que ela é a única a pôr em risco o equilíbrio da natureza.
Os partidários do homem todo-poderoso, do homem empreendedor, desbravador e conquistador, apostam suas fichas na tecnologia sem limites, que conduz ao uso ilimitado das riquezas naturais, à devastação de florestas, esgotamento de reservas aquáticas, com a justificativa de que só o crescimento econômico infinito e a acumulação de riquezas podem satisfazer os desejos de felicidade humana. É a mística do crescimento praticada pelos adoradores do PIB.
A ecologia e os ecologistas são agraciados com qualificativos até zombeteiros: catastróficos, mercadores do medo, sectários de tendência totalitária, grupelho de fanáticos que pretendem criar um gulag verde. Os estudos do IPCC apontam, com 95% de certeza, que a mão humana é responsável por mudanças climáticas nas últimas décadas. Um estudo não é uma ameaça. Dizer que o aquecimento climático é uma realidade não significa apresentá-lo à consciência humana como uma arma para punir a espécie do homo sapiens.

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Para melhor despertar a consciência ecológica sobre a realidade climática presente e suas implicações para o futuro, será conveniente estabelecer o que pode afetar os seres vivos a curto prazo, próximos 20 ou 30 anos, e as possíveis circunstâncias que envolverão o planeta daqui a 100 anos. Nesse momento do tempo, nossos bisnetos ainda estarão vivos.
No curto prazo, a população mundial enfrenta frequentes fenômenos naturais exacerbados como furacões, tornados, tempestades, nevascas, secas, inundações. Nas áreas mais povoadas, à beira-mar, em zonas montanhosas, em urbanizações não protegidas contra essas grandes intempéries, as populações mais pobres são as mais atingidas. A desigualdade social, econômica e política mantém quase metade da população mundial em permanente situação de risco: escassez de água, de comida, de moradia, de mobilidade, de escolaridade, de lazer, de trabalho e de ócio criativos, de bem-estar e de outras facilidades (PatriciaVendramin, Réinventer le travail).
A desigualdade não só separa a população mundial em duas partes, a quem tem o supérfluo e a que não tem o suficiente, como cria dois cenários de consciência sobre as mudanças e as dificuldades climáticas para a sobrevivência, reprodução e usufruto dos bens da natureza. As nações ricas e os ricos dessas nações têm dificuldades de ou não se dispõem a aceitar a possibilidade de limitar o consumo de bens e serviços, pois podem comprá-los a qualquer custo. Os pobres das nações pobres ou potencialmente ricas são empurrados pela necessidade de obter, a qualquer custo ecológico e ambiental, os bens cada vez mais escassos e difíceis. Os ricos, porém, das nações pobres, ditas emergentes, habituados ao consumo obsessivo e esbanjador, aceitam com descaso medidas de proteção ambiental desde que não interfiram em sua forma de tratar a natureza como propriedade privada. “Ciência sem consciência é a ruína da alma”, dizia Rabelais. A ignorância e a negligência parecem ainda comandar os comportamentos não só da maioria da população rica ou pobre, mas especialmente dos governos, dos políticos, dos investidores que dirigem seus programas para maximizar lucros ou obter índices estatísticos que garantam sua permanência no poder.
Na espoliação da natureza essas duas forças antagônicas se unem para destruir florestas, esgotar mananciais aquíferos, poluir rios e mares. O crescimento da população mundial está prevista em 9 bilhões, para 2030. Mantidos os índices de poluição geral de 2013, cuja tendência não é de serem alterados no curto prazo, aumentará o grau de dificuldades a serem enfrentadas nas próximas décadas. Há que voltar aos anos 1970 quando já se propunha o princípio da precaução.
Se o aumento da temperatura média do planeta (hoje, ao redor de escasso 1ºC), propicia, a algumas regiões, condições favoráveis para produzir alimentos, há que tomá-las como situação transitória, pois ninguém assegura que ela se mantenha estável.

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Os relatórios do IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change), embora importantes e sérios por representarem um progressivo avanço no conhecimento das mudanças climáticas, nem sempre mostram tudo e é possível que escondam muito, pois a redação final inclui decisões de diferentes governos e países. Nos prazos mencionados não se introduzem situações que se vêm produzindo ou que se tornaram extremamente perigosas para a continuidade da vida no planeta.
Uma dessas exclusões dos relatórios, e que tem um peso enorme na emissão de gases de efeito estufa, se refere à crescente perfuração de poços pelo método de fragmentação hidráulica da rocha para produção de xisto betuminoso (gás e óleo). As consequências observadas revelam contaminação dos aquíferos, emprego de abundantes volumes de água, uso de produtos químicos que ajudam a esfrangalhar as rochas e causar a poluição do solo por escoamento de águas tóxicas.
Para ilustrar este perigo em andamento, em 2012, existiam 450.000 poços perfurados nos EEUU, 14 mil deles, em Nova Iorque. Nos EEUU, se perfuram anualmente, em média, 25 mil poços e, para 2020, se estima que o xisto betuminoso significará 20% do gás produzido. ("El efecto Dominó. El destino del agua en el siglo XXI, Alex Proud'Homme, 2012)
O derretimento dos gelos do Ártico, devido às mudanças climáticas naturais associadas à ação humana, libertará tal quantidade de gás metano que poderá pôr em cheque a vida na Terra. Segundo um comunicado de imprensa da NASA, ao longo de milhões de anos, o solo das geleiras (permafrost) do Ártico acumularam grandes reservas de carbono orgânico, volume estimado em 1.400 a 1.850 bilhão de toneladas métricas. Comparativamente, cerca de 350 bilhões de toneladas métricas de carbono foram emitidas a partir de toda a queima de combustíveis fósseis e das atividades humanas desde 1850. “As geleiras do Ártico são um gigante adormecido da mudança climática, o aquecimento das emissões de carbono já está disparando depósitos árticos de gás metano de superefeito estufa. Uma força incrível e verdadeiramente aterradora que ameaça iniciar uma reação em cadeia que, uma vez iniciada, poderia ser irrefreável. A humanidade está de pé à beira de um precipício e, se cair, será uma passagem de ida ao inferno”, conclui o informe da NASA. (Fonte: A geleira do Ártico – “O gigante adormecido da mudança climática”, NASA)
Não são poucos os motivos de preocupação para a sobrevivência dos seres vivos no planeta. As investigações do IPCC, os textos divulgados pelo PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), pesquisadores de vários países membros de universidades de prestígio e instituições similares têm como responsabilidade a divulgação da ciência e do conhecimento. A ciência e o conhecimento devem levar a espécie humana a ter comportamentos que garantam a própria sobrevivência e reprodução e a de todas as formas de vida.
A ecologia não tem como finalidade punir, mas libertar a vida. Há que aumentar de maneira eficaz e eficiente o número de pessoas no mundo que saibam “ligar a justiça social à justiça ambiental e considerar que a ecologia é um dos instrumentos mais democráticos para melhorar a vida da espécie humana” (Noël Mamère, deputado verde, França). Nem é permitido esquecer que a vida da espécie humana depende de todas as formas de vida que se movem a seu redor.

(Colaboração informativa: Licenciado Eng. Agrônomo, Jaime Llosa Larrabure, peruano).

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