I PARTE
A revista Nature
publicou, em julho de 2012, um artigo assinado por 22 pesquisadores no qual
alerta que os ecossistemas do planeta poderiam sofrer um colapso total até o
final deste século (2100). Em fins de setembro de 2013, novo relatório do IPCC,
confirma com 95% de certeza de que as condições climáticas estão sendo afetadas
pela população humana, especialmente a que utiliza tecnologias movidas ao uso
de combustível fóssil. O aumento de CO2, na proporção atual, pode
levar à extinção de formas de vida reduzindo a biodiversidade e ameaçando a
própria existência da espécie humana.
As tímidas medidas assumidas pela sociedade humana em
todas as regiões do globo para obter resultados satisfatórios e comprovados
merecem reflexões permanentes.
Múltiplas causas se associam a esse possível desfecho
alarmante: pressão demográfica, perda da biodiversidade, elevada taxa de
extinção de espécies, aumento das emissões de CO2. Esse conjunto de
causas altera substancialmente as condições de existência, de sobrevivência e
reprodução dos seres vivos.
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Esse grito estridente da possibilidade de uma
catástrofe ecológica suficiente para exterminar bilhões de vidas, em tão pouco
tempo, suscitou, entre especialistas de diferente orientação política e
econômica, reações de incredulidade, de menosprezo e até de zombaria. A
ecologia que defende o uso racional e igualitário de todas as riquezas do
planeta foi interpretada como “o novo catecismo da austeridade”.
O fato de os ecologistas não apresentarem uma única
saída para evitar o desfecho fatal e apelarem para o bom senso da humanidade com
o fim de encontrar, em cada região e em cada situação medidas que levem a
resultados universais, é tido como a maior fraqueza de seus argumentos. Daí uma
ladainha de questões a eles proposta identificando-os como apóstolos do
apocalipse, apologistas de uma nova religião orientada pela fé na eficácia de
hábitos comedidos. O catecismo desses homens virtuosos – alegam – condena o
consumo de combustíveis poluentes, o uso de energias sujas e destruidoras de
florestas, prega ascetismo, privações e até prefere a fome e a pobreza dos
países subdesenvolvidos para salvar a deusa Natureza.
Num tema tão complexo, há lugar para todos os argumentos,
para todos os interesses, para todas as tendências. Aí vêm algumas perguntas
provocativas que tendem a humilhar os proponentes de uma nova forma de
prosperidade que propicie a convivência humana e integre a espécie humana na
biocomunidade do planeta.
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Como persuadir, perguntam, as nações subdesenvolvidas
ou emergentes a reduzir drasticamente sua população? Como alinhar o nível de
vida dos mais ricos sobre os mais pobres? Como convencer os países pobres a
permanecer em tal situação e os países ricos a renunciar à abundância? Qual
elite ditatorial será capaz de impor suas vontades a 7 bilhões de seres humanos?
Para enfatizar essas perguntas aparentemente
incontestáveis, os críticos da ecologia prudente e precavida enumeram vantagens
do aumento das temperaturas que podem ajudar a combater a fome, a pobreza, a doença e os crimes em massa considerados os
quatro flagelos mais agudos da humanidade. Mencionam a cultura de vinhedos no
sul da Inglaterra, graças às melhores condições atmosféricas; o cultivo de frutas
e legumes em terras antes congeladas da Groenlândia, bem como a imigração de
focas a suas águas territoriais que lhe dão carne e peles para o comércio
internacional. Quantos países do Hemisfério Norte submetidos a rigorosos frios
não se rejubilariam com invernos mais curtos e verões mais clementes?
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Ressaltando essas vantagens imediatas, reais e de
efeitos comprováveis a curto prazo, os ecologistas são acusados de fazer das
mudanças climáticas uma arma para punir o gênero humano e levá-lo a fazer penitência.
Uma volta à Idade Média, quando se interpretavam os cataclismos, furacões e
inundações como castigo de Deus ao orgulho da criatura humana culpada de atos
desmedidos.
Nomes atuais como lord Stern, Al Gore, James Hansen,
Nicolas Hulot, sir Martin Rees, Hans Jonas (A
festa industrial acabou) são ridicularizados por sua ingenuidade diante de
possibilidades remotas e de difícil comprovação.
O novo catecismo da austeridade, segundo os místicos
do crescimento, preconiza a “sobriedade feliz”, o despojamento material com
entusiasmo e aconselha transformar o abatimento da escassez em alegria
espiritual. É preciso acostumar-se à raridade das coisas, convencer os
afortunados a se empobrecer e assegurar aos pobres que eles têm o necessário e
o suficiente. Os partidos verdes pregam a ideologia da nova austeridade ditada
pela saúde do planeta e desprezam as leis do mercado. São contrários a todos os
avanços tecnológicos. Não só recusam a queima de carvão, como também do gás
natural, do petróleo. Investem contra as usinas nucleares, os trens de alta
velocidade, as nanotecnologias, os aeroportos e se concentram na energia eólica
e solar.
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Em contrapartida, os opositores da chamada religião
ecológica lançam os deuses do progresso contra os atrasos da fé ambiental. Se
os países ricos tivessem seguido o princípio da precaução dos anos 50, jamais
teriam chegado à indústria aeronáutica ou agroalimentar, ao complexo atômico ou
químico, às autoestradas e aos trens de alta velocidade.
Que é desejável um desenvolvimento compatível com o
respeito ao ambiente, dizem, todo o mundo está de acordo. Mas que, em nome da
mãe Terra, seja necessário abraçar a regressão voluntária, idolatrar a
privação, mergulhar na religião do medo, suspeitar de toda inovação tecnológica
demonstra obscurantismo puro e simples. Conclusão: não é o cuidado do planeta
que domina, é o ódio contra a humanidade dissimulado sob as vestes do culto da
Natureza.
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Apesar dessas reações que beiram à ecofobia, ao fanatismo e à intolerância a respeito de
propostas alternativas apresentadas nos últimos 200 anos por geógrafos,
arquitetos, filósofos, escritores, antropólogos, sociólogos, biólogos, há que
se insistir no diálogo, na conversação, na análise dos fenômenos físicos, na
crítica aos comportamentos humanos e no exame dos efeitos do uso irracional e
desmedido das riquezas naturais e de sua apropriação por minorias em detrimento
de maiorias.
O cérebro humano é dotado de mecanismos capazes de
descobrir os melhores caminhos que garantem a sobrevivência e a reprodução de todas
as formas de vida, quando se adquire a consciência de que pertencemos à mesma
natureza e que é necessário assegurar a interdependência de todos os seres
vivos.
Um mundo diferente é possível tanto quanto foi
possível edificar o que hoje temos.
“Contrariamente ao que pensam os opositores das teses
ecológicas, a ecologia apela para uma nova revolução que traz consigo miríades
de inovações e que demandam, ao mesmo tempo, inteligência e ciência”. (Pascal
Canfin, Ministro do Desenvolvimento, França, 2013)
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