quarta-feira, 11 de maio de 2011

PLENO EMPREGO E PLENO ROUBO


      O delírio do consumo, uma das causas da inflação, agita a mente de jornalistas e analistas econômicos. A informação se resume em percentuais crescentes de compras. 53% das famílias brasileiras gastam mais por mês do que ganham. As dívidas dos consumidores alimentam a fome do governo e saciam a sede dos bancos. Uma comemoração emenda na outra. Sai-se da Páscoa, entra-se no Dia das Mães e corre-se para o dos Namorados. Em cada festa do consumo, espera-se um percentual maior de gastos em presentes e viagens.
O estímulo, dizem todos os noticiários, vem do aumento da renda e da desvalorização do dólar. A impressão que se tem é que a renda dos consumidores aumenta todos os dias. É um milagre exclusivamente brasileiro. As fortunas se multiplicam a olhos vistos. Concluo que o delírio do consumo deve ter como causas o pleno emprego associado ao pleno roubo. Ambos enfrentam galhardamente qualquer crise financeira e os ímpetos inflacionários. Lembre-se, inflação significa alto consumo e baixa produção de bens.
Nos últimos anos, propus-me a somar os valores resultantes de roubos ao erário, de desvios de verbas da educação e da saúde, do superfaturamento de obras inacabadas dos PAC’s, de contratações de laranjas fantasmas no Congresso Nacional, câmaras estaduais e municipais, do aumento generoso de ordenados e vencimentos da nova nomenclatura da máquina administrativa aparelhada, comissões, conselhos, Fundos de Pensão que formam a elite emergente da república, filhos, netos, sobrinhos, apadrinhados,
Perdi a conta, atropelado por descobertas diárias de roubos públicos. Mas a soma parcial dá para comprar centenas de casas que sobraram da explosão da bolha americana, a rede de supermercados Pão de Açúcar, a Linha Aérea Boliviana, a frota de automóveis de luxo produzidos num mês, milhares de ternos Armani, cem viagens de cruzeiro pelas ilhas gregas e do Caribe. De quebra, ainda sobra para multiplicar por dez o número de helicópteros particulares com o nobre fim de fugir aos engarrafamentos de São Paulo. Esses são apenas alguns lances do leilão frequentado pelos marajás do pleno roubo. Se a polícia ousasse invadir as mansões do pleno roubo como o fez nas dos traficantes do Rio de Janeiro ter-se-ia melhor ideia das desigualdades sociais e das fortunas ilícitas que alimentam o comércio e a inflação.
Já, o pleno emprego, falo só de Brasília, onde estão os maiores salários dos trabalhadores, pode-se constatar na rua. Está todo mundo empregado e embolsando dinheiro em espécie. Nada de cheque ou cartão. No quarteirão onde moro ou superquadra – note-se o superlativo – conto dezenas de pontos de manobristas uniformizados, à sombra de um toldo, que colaboram com a polícia para evitar multas a carros estacionados em fila dupla ou tripla em frente a restaurantes e bares de dia e de noite. Dezenas de cuidadores de carros de colete cor de abóbora dirigem a ocupação das vagas do estacionamento público nas ruas comerciais. Kombis estacionadas numa esquina ou na porta do Banco do Brasil oferecem biscoitos, mel, rapadura, queijo, granola a preços módicos. Nas calçadas, há vendedores de redes, colchas e tapetes. Nos caixas do supermercado, um exército de empacotadores recolhem as moedas deixadas por quem ainda compra com dinheiro vivo. A partir das 16h, surgem, em distintos pontos, barracas de churrasquinho e sanduiche para a nova classe média retirada da linha de pobreza. Vigias noturnos, em todos os blocos da cidade, complementam o salário diurno para pagar as 80 prestações do carro de segunda mão, a passagem aérea da mulher a Teresina, a reforma do banheiro, o sofá da sala e a TV a plasma. Quiosques de frutas, relojoeiros e sapateiros volantes completam o pleno emprego e a circulação do dinheiro acrescidos fortemente com o pleno roubo. Por último, mas não menos importante, inúmeros e discretos distribuidores de crack e oxi se misturam com vendedores de panos de chão, imaculadamente brancos, sacos plásticos ou frutas, nos incontáveis semáforos que detêm a fúria dos condutores.
A todas essas manifestações da loucura cotidiana se denomina crescimento econômico sustentável.

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