sexta-feira, 6 de maio de 2011

OLHO D’ÁGUA


    Escondido entre pedras, gramíneas, orquídeas e arbustos discretos, o olho d’água espiava uma nesga de céu azul. Vinha de longe, de profundidades silenciosas, retorcendo-se por entre camadas de rochas, infiltrando-se pelas veias da terra desde tempos imemoriais. Era um olho só na face enrugada, envelhecida pela pátina dos séculos, milênios ou anos-luz.
Era filho do gelo, da nuvem, da chuva. Borbulhava incansável. A pupila brilhava e cintilava mirando o sol. Quantas noites guardou na retina a palidez da lua! As lágrimas do olho d’água desciam pelas rugas do chão num choro suave e num cantarolar monótono, adormecendo as pedras. Corriam na direção do mar, levadas por riachos e rios, e quebravam-se nas areias da praia.
Um dia, notei que as sobrancelhas vegetais que circundavam o olho d’água perdiam a cor verde, amarelavam, secavam. Não longe dele, um trator arrasava plantas e o fogo deixava cadáveres em pé ou incinerados no chão. A esclerose do solo atacou o olho d’água. As lágrimas foram secando, a cegueira obscureceu o olho d’água. Uma pequena cova no rosto da terra era a cicatriz do golpe que arrancou o olho d’água. Ainda há sol e lua, nuvens e chuvas, mas o olho d’água não vê mais.
Arrancaram sem pena meu olho d’água. Por isso, há anos, protejo os olhos d’água que ainda restam no rosto belo da terra cerratense.

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