segunda-feira, 9 de maio de 2011

O JOGO



Dostoievski retratou o próprio fascínio ao escrever Um jogador. A preparação prévia para entrar na sala de jogos, a ansiedade ao dar as cartas, os blefes, os ganhos eventuais, as perdas irreparáveis, a volta irresistível a um nova rodada remoem o jogador.
O que é a administração de um país grande ou pequeno senão um jogo ou talvez um brinquedo no qual se ganha ou perde? É um embate de times tentando sobrepor-se ao adversário, embalados pelos gritos das galeras.
Em fim de 2010, visitei amigos em Lima, Peru. Durante o voo, folheei a revista de bordo feita para apresentar os lados mais interessantes do país e as informações aptas a atrair e tranquilizar o visitante. Um depoimento do então presidente Garcia não deixava dúvidas sobre as habilidades de seu time e as vitórias conquistadas. Dizia: “El Perú, quizá, há soportado la crisis financiera mejor que qualquier otro país”.
Frase de efeito semelhante havia sido cunhada, no Brasil, pelo então presidente Marola diante do tsunami mundial com o intuito de atrair jogadores estrangeiros e divertir a galera brasileira. “Fomos –proclamava ele -- os últimos a entrar e os primeiros a sair”.
Ao constatar os estádios sociais do Peru e conhecendo o Brasil profundo, com seus 16 milhões de miseráveis, compreende-se que os jogadores da administração pública jogam para a galera. Seguem algumas regras do jogo. Os árbitros têm seus instrumentos e os usam discricionariamente. As galeras podem discordar deles e frequentemente o fazem e os enchem de sublimes epítetos, mas o penalti está marcado, ou o gol anulado, ou o jogador expulso..
A regra do jogo mais visível e mais seguida e a de mentir, negar, esconder ou recriar a realidade dos acontecimentos dentro do campo. Para esconder, por exemplo, os efeitos da crise financeira que abalou as economias, da qual nosso país também é parte das causas, estendeu-se um espesso colchão de créditos subsidiados e reduziram-se temporariamente impostos. Os destroços da marola aparecem agora sob forma de inflação, de alto preço dos combustíveis, trânsito enervante nas cidades, sufocante emissão de dióxido de carbono que afeta a saúde dos cidadãos e enchem os hospitais transformados em armazéns de doentes.
Mas os jogadores oficiais negam as entradas desleais, reclamam ou ridicularizam o árbitro que marcou o pênalti. Convertido em gol o penalti, continuam negando o pênalti e o gol. Os técnicos colocarão os jogadores em campo outras vezes, confiantes na galera que já esqueceu as derrotas, os pênaltis e o jogo bruto. Entrevistados, os jogadores ignoram as derrotas, os pontapés, os pênaltis. Dizem respeitar os adversários e vão de cara lavada para mais uma pelada. Os jogadores entram em campo, confiantes na galera desmemoriada e sedenta de gooooool. 

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