sexta-feira, 25 de março de 2011

SÓ FALHAMOS NA EXECUÇÃO

 

Estava lendo na biblioteca popular do Engenho das Lajes, agrovila situada a 50 km do Palácio da Alvorada. Pela euforia  dos comentários de jornalistas e economistas numa importante emissora de rádio, presumi que as manchetes de jornais e noticiários de TV não falassem de outro assunto. O país foi despertado com um badalaço. O PIB cresceu 7,5% em 2010. Toda a riqueza do país está sintetizada nesse percentual. Simplificando, em 2009, a riqueza do país era igual a R$ 100,00, em 2010, subiu para R$ 107,50.
Adivinho que esse leve aumento da riqueza se deva a exportações de carne, soja, minérios, à produção e venda de carros, geladeiras, celulares, televisões, remédios, cirurgias plásticas, ao PAC I, PAC II e outros que virão. Não sei se a novíssima “contabilidade criativa” descontou, dessa riqueza toda, as perdas de 40 mil mortos no trânsito, os prejuízos das 200 cidades inundadas, as centenas de soterrados nos deslizamentos de morros, dos milhares de hectares desmatados na Amazônia e no Cerrado. O fato contábil é que, somando os ganhos da economia sem deduzir a perdas, passamos de cem para cento e sete reais e cinquenta centavos. Perdi-me nos cálculos e, na noite passada, sonhei que um logaritmo perseguia uma raiz quadrada entre as ruelas enlameadas do Engenho das Lajes.
Os governantes do Brasil, do presidente ao prefeito, desde muito tempo, adotaram um método simpático de administrar e resolver nossas dificuldades em escala progressiva: muitas boas intenções, promessas eleitorais, planos globais envolvendo 36 ministérios, programas detalhados para todos os setores econômicos, tecnológicos, culturais e sociais, projetos importantes e urgentes, entregues a empresas privadas, com bilhões de reais empilhados no orçamento invisível. A governança falha apenas na execução. Mas, no final, tudo dá certo. Para quem?
Em frente à biblioteca do Engenho das Lajes, passa muita riqueza pela rodovia BR 060, hoje duplicada. Passa. Cegonhas vão em direção a Goiás, vindas de Minas Gerais. Outras vêm de Goiás para Brasília. É o PIB passando. Há mais de vinte anos, por insistência da população do Engenho das Lajes, os governadores de turno prometem construir uma passarela para evitar atropelamentos e mortes de crianças que vão para a escola. Em vez de passarela ou semáforo, apareceu do nada um viaduto, até hoje, inacabado. Nada de passarela. As ruelas do Engenho das Lajes, no período chuvoso, ficam enlameadas. As águas sujas do esgoto, a céu aberto, se misturam com as da chuva. Nos meses secos, a lama vira pó que se junta à fumaça de milhares de carros que cruzam diariamente o povoado. Esqueci-me de dizer que o Engenho das Lajes pertence à sétima potência econômica mundial, onde 13 milhões de cidadãos não têm vaso sanitário em casa. Quer dizer...
Então, perguntei a vários habitantes do Engenho das Lajes o que sentiam na alma patriótica sendo cidadãos da sétima potência mundial. Darei o resultado em outra ocasião. Por enquanto, lendo Stanislaw Ponte Preta, pergunto-me por que temos que ser uma potência mundial? Sendo o Brasil grande por natureza, não será suficiente construirmos uma nação justa e igualitária, sem a esquizofrenia do PIB e a histeria de potência mundial?

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