domingo, 6 de março de 2011

PRODUZIR ÁGUA: NASCENTES

Insisti por quase dez anos, desde a publicação de meu pequeno livro bilíngue, O Retorno das Águas, ampliado com A saga de um Sítio, para que órgãos oficiais de controle e fiscalização ambiental fossem a meu pedaço de cerrado, onde aplico técnicas simples para proteger as nascentes e produzir água. Produzo água, embora nem o Ministério da Agricultura, nem o de Desenvolvimento Rural, nem o INCRA considerem água como produto de uma propriedade agrícola. O proprietário de uma área cuja atividade seja produzir água terá sua propriedade considerada improdutiva, sujeita a desapropriação para reforma agrária, além de uma cobrança irracional do ITR. Produzir água quer dizer preservar o pulmão de uma cidade, garantir oxigênio e expor as belezas naturais de uma região.
Mandei mensagens à Agência Nacional de Águas (ANA), à Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento do Distrito Federal. (ADASA), ao Ministério do Meio Ambiente. Elas se perderam nos meandros da burocracia tumultuada de órgãos superpostos e confusos.
No dia 4 de março, o Instituto Brasiliense Ambiental (IBRAM) mobilizou um grupo de técnicos para proceder a uma vistoria minuciosa dos trabalhos executados durante dezenas de anos na construção de pequenas barragens para conter e deter águas da chuva. O objetivo dessas obras é favorecer a infiltração das águas no solo e assegurar melhor recarga dos aquíferos. A vistoria obedeceu a procedimentos para concessão de Reserva Legal e definição de Área de Proteção Ambiental (APP).
Parece difícil, se não impossível, para boa parcela de administradores de serviços públicos coordenarem e equilibrarem simultaneamente três pesos: o essencial, o importante e o urgente. O que aparece aos olhos do cidadão é o tumulto administrativo. Uma grande confusão de obras que apontam ora ao urgente, ora ao importante, segundo os que decidem. Não raro, o urgente se sobrepõe ao importante. E é comum o importante se tornar urgente pela desídia e inapetência dos planejadores. O essencial é, mais das vezes, nem importante, nem urgente a julgar pelos atos administrativos e pelas justificativas políticas.
Se os gestores públicos dessem à preservação dos mananciais o mesmo peso das discussões e ações que se concede à inflação, ou ao crédito de consumo, ou à taxa de câmbio, os resultados na vida dos cidadãos seriam muito mais racionais e sólidos. Teria o efeito de uma revolução filosófica. Um experimentado político colombiano dizia que o mais difícil é pôr-se de acordo sobre o essencial. O que é essencial? O essencial, como a água, de tão óbvio parece entregue à própria sorte, por isso poucos se ocupam dele. Água? É um desses óbvios ululantes. É evidente que ninguém subsiste sem água. E para-se nesse axioma. Água é essencial. E só. O resto sai da torneira.
Para os romanos, a água era essencial e nos deram os gigantescos aquedutos. Engenharia, arquitetura, arte para homenagear a água. Eram represas ambulantes, flutuantes no espaço. As “fontane” de Roma e de outras cidades pelo mundo imperial romano expressavam o elemento essencial da urbe. Da água dependia a saúde da população. Água no corpo. Água na urbe. Águas nas Termas de Caracala.
Já antes de nossa era, as margens do rio Tibre, que atravessa Roma, sujeito a transbordamentos na primavera por efeitos da chuva e do derretimento das neves, eram respeitadas e temidas. Só a aglomeração consecutiva por imigrações e conquistas e o superpovoamento da urbe, mais recentemente, empurraram a população à beira do rio. Roma recolhia as águas usadas e os dejetos em cloacas subterrâneas, longas galerias compartimentadas de decantação de sólidos.
A proteção de mananciais de onde colhiam as águas de fontes, no alto das montanhas, diligentemente trabalhadas com barragens de pedras. Aquedutos de dezenas de quilômetros, muitos deles sustentados na base por colunas e arcos romanos. A tecnologia atual e a engenharia das águas se, por um lado, abriram um leque de fontes de captação, como rios e aquíferos subterrâneos, para abastecer grandes populações, por outro, descuraram das nascentes, as esqueceram ou as destruíram.
Há que voltar a elas. A nascente é o começo do rio e a base essencial das represas gigantescas. O desprezo às nascentes é uma das causas das inundações nas cidades, do desmoronamento e deslizamento de montanhas. As mortes por soterramento são o preço que se paga pelo uso irracional da tecnologia. Confia-se mais na técnica da engenharia e no uso indiscriminado da natureza do que nas leis físicas implacáveis.
Quem sabe onde começa o Rio São Francisco ou o Iguaçu? Tenho o orgulho ambiental de informar aos que me leem que uma das humildes nascentes do rio Paraná está em meu Sítio das Neves, no Distrito Federal. Ela despeja água limpa no Ribeirão das Lajes, que deságua no rio Santo Antônio do Descoberto, que enche o Corumbá, que entra no Paranaíba, que forma o Paraná e repousa no Mar del Plata.

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