sexta-feira, 18 de março de 2011

CRECHES OU ESCOLAS-PARQUES


“Nenhuma criança de zero a seis anos fora da creche” é a mais recente palavra de ordem dos governos distrital e federal no elenco das prioridades em educação. As creches aparecem como solução democrática apresentada ao público com o propósito de abrir o caminho da escola a toda a população desde o nascimento. Com essa iniciativa, o mínimo de nove anos de escolaridade será mais facilmente preenchido e, dentro de quatro anos, teremos estatísticas festejadas e aplaudidas. Com seis anos de creche acrescidos de nove do ensino fundamental, para os que chegam até lá, supera-se o número mínimo de anos dedicados à educação e à aprendizagem.
Não importa que, daqui a quinze anos, as crianças egressas deste novo modelo educativo continuem sem ler nem escrever corretamente. Nem importa que digam “latra”, “vrido”, “tauba” ou “largata” que é como ouvem em casa e que nossas escolas rurais e da periferia da metrópole brasiliense não conseguem endireitar. Nem importa  que os professores usem o plural sem esses.
Para facilitar a implantação deste brasileiríssimo modelo, que servirá de exemplo criativo para o mundo civilizado ou emergente, por que não transformar as maternidades em creche ou vice-versa? As crianças nasceriam nas creches e teriam, ali, espaço, berço, aleitamento, chocalhos, fraldas, babás, toda a bicharada e bonecas supridos pelo Estado. Seria a réplica do Admirável Mundo Novo nas mãos da eficiente pedagogia estatal operada por babás psicólogas a implantar nas cabecinhas tenras o Hino Nacional e os princípios de Ordem e Progresso. Por falar nisso, já começou a recrutamento para o futuro treinamento dessas babás? Ou o serviço será prestado por empresas terceirizadas, com pessoal especializado em trocar fraldas e esquentar mamadeiras?
Teremos, é natural neste país, creches tipo A para a nova classe média, incluída no sistema de consumo e que precisa garantir a renda para pagar o carro, a passagem aérea e a viagem à Disney em  prestações a perder de vista. Creches tipo B para empregadas domésticas, diaristas, mães solteiras, caixas de supermercado, varredoras de rua e as múltiplas categorias de trabalhadores de empresas terceirizadas. Se os formuladores desta nova política educacional, tratada com urgência e metas definidas, observassem o funcionamento de escolas primárias, ditas de ensino fundamental, em Santa Maria, Recanto das Emas ou Engenho das Lajes, todas na periferia de Brasília, a 50 quilômetros do Palácio do Planalto ou do Buriti, a decisão seria outra, sem menosprezo das creches.
Uma política educacional não começa pela projeção do número de escolas ou creches. O primeiro passo, na escala de importância, é o recrutamento da elite estudantil, isto é, entre os que mais se destacam no processo de aprendizagem, para sua preparação ao magistério, acenando para uma remuneração competitiva à de outras profissões e com etapas de aprimoramento contínuo, como no Chile ou Finlândia. O investimento profissional precede o investimento material e este depende daquele. Sem essa arrancada inicial, todo o processo educativo se esfacela pelo caminho com remendos e tapa-buracos como é, hoje, a educação neste país.
Um segundo passo, proposto com a construção de Brasília e defendido ardentemente pelo pioneiro médico pediatra Ernesto Silva, é a demarcação do espaço físico onde se gesta a aprendizagem e a ensinagem. A escola-parque é um modelo próximo ao ideal que soma natureza, liberdade, amplidão espacial e ambiente propício à fixação dos fundamentos intelectuais, culturais e morais das gerações presentes. É o contrário dos muros apertados dos bunkers escolares de hoje.
Conheço bem o Centro de Ensino Fundamental da Agrovila Engenho das Lajes, na periferia de Brasília, fundado em 1966, onde 420 alunos se amontoam nas estreitas calçadas cercadas de muros altos a impedir que os olhos vejam mais além. Por que tamanha sovinice com o espaço das escolas públicas? A liberdade educativa é prisioneira da insensibilidade dessas políticas erráticas. A escola do Engenho das Lajes, como milhares de outras, muitas delas vizinhas do poder maior e do centro de decisões políticas, está entregue a sua própria sorte, desconectada de Brasília e do mundo. Nesses quarenta anos, sequer pensou-se em dotá-la de biblioteca. Essa lacuna foi preenchida por iniciativa popular, sem ter encontrado o mínimo gesto de simpatia por parte da Secretaria de Educação do DF. Segundo informações colhidas entre pais e mestres, a maioria das crianças que terminam a nona série não prosseguem os estudos. Centenas de jovens começam cedo o caminho da jogatina, da bebida, das drogas. E o número de meninas que engravidam aos 13 ou 14 anos cresce assustadoramente nesse povoado. Essas crianças, filhas da precocidade e da ignorância, também precisarão de creches para que as jovens mães não interrompam seus estudos ou ganhem a vida como diaristas.
Conceda-se, teoricamente, um grau de importância às creches, com todas as restrições de seu funcionamento. Porém, é preciso dar o grau de urgência para o aspecto essencial da educação em nível de excelência igual para todos os cidadãos. Impõe-se a transformação dos bunkers escolares existentes na periferia da metrópole brasiliense em escolas-parques. Grande parte das dificuldades sociais e profissionais será resolvida, com ou sem creches.

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