quarta-feira, 2 de junho de 2010

UM NOVO OLHAR SOBRE A ECONOMIA

O texto a seguir pode ser utilizado como referência para os pensadores de um novo olhar sobre o uso das riquezas naturais.


Produzir para sobreviver e viver confortavelmente. Produzir para trocar bens é um costume imemorial que se tornou ciência econômica. Produzir para acumular riqueza é uma ordem da eficiência e da eficácia. A gestão dos instrumentos e mecanismos necessários à produção revela as qualidades do empreendedor, do investidor, dos homens e mulheres de sucesso.
Há muita gente no planeta Terra que ainda não chegou a esse estágio e mais da metade da população mundial morre sem conhecer o conforto da riqueza. O planeta está dando sinais de esgotamento em razão da superpopulação e da exasperada exploração das riquezas e dos elementos necessários à sobrevivência e ao conforto. Há um alerta geral badalando a consciência da humanidade. O caminho que se percorre é arriscado e pode levar ao abismo.
Há outra maneira de olhar a economia? É possível continuar usando as riquezas naturais para conforto humano respeitando as leis da casa, também dita ecologia?
Visitei, graças ao amável convite do Conselho de Educação do município de Casca (RS), essa rica região de imigrantes italianos e poloneses.
Casca tem 8,4 mil habitantes. O Índice de Desenvolvimento Humano (0,829) a coloca entre os 20 melhores municípios do país. A economia é diversificada, baseada na indústria, comércio, serviços e produção primária. O desenvolvimento da atividade primária da produção agropecuária está associado à instalação de pequenas agroindústrias como forma de agregar valor sobre os produtos primários e conseqüentemente proporcionar um bem estar social e econômico ao produtor rural.
Um item da produção primária do município chama a atenção do observador. O rebanho bovino de leite é composto de 16 mil animais, o que representa o dobro da população humana. A escala de produção é de 200 mil litros dia que alimentam as agroindústrias familiares e abastecem outras empresas de laticínios.
A escala de produção é aleatória. Não há informações de que tenha sido programada ou planejada previamente. É um fato econômico satisfatório do ponto de vista do agricultor ou corresponde a uma tendência inercial da produção local e regional. As questões que se levantam são: essa escala de produção é necessária? É econômica sob o aspecto ecológico? Que medidas complementares seriam convenientes e adequadas para manter o mesmo nível da escala?
Ao se analisar o impacto da escala de produção de leite do atual rebanho sobre o sistema ecológico, é importante cotejar os elementos necessários para garantir a sustentabilidade dessa atividade: água e terra.
Por um lado, pode-se estimar o uso intensivo de terra e sua capacidade de suporte que responderia à questão: número de cabeças por hectare. A densidade de animais por hectare depende de algumas variáveis físicas e de manejo relacionadas à raça leiteira. Mas o elemento principal é a água. Não importa que a densidade por hectare seja de uma ou 10 cabeças. A quantidade de água por animal permanece invariável e, dependendo das condições do solo, do clima e da região, as circunstâncias podem se agravar e, portanto, causar impactos mais duros à natureza em curto prazo.
Analisando a atividade econômica em questão, no que se refere à quantidade de água necessária para produzir alimentos (Ver TUNDISI, José Galizia, Água no Século XXI, Rima, São Carlos, SP, 2003), considera-se que um animal bovino corresponde ao uso de 4.000m3. O atual rebanho leiteiro de Casca, portanto, consome, ao longo de sua vida produtiva, o equivalente a 64 milhões de metros cúbicos (64 bilhões de litros)
É provável que os agricultores estejam percebendo a diminuição lenta e gradativa das águas e a facilidade com que as terras secam em períodos de estiagem. É comum dar como razão as irregularidades das chuvas. Pouco se atenta ao desmatamento, ao uso intensivo das terras e à compactação do solo, impedindo a natural infiltração das águas da chuva para alimentação das reservas subterrâneas.
A continuação indefinida desse processo produtivo não é sustentável a longo prazo. Que medidas se podem tomar diante da inexorabilidade do esgotamento das águas, embora corra por lá o rio Carreiro?
Uma das medidas drásticas recomendadas, a curto prazo, seria a diminuição do rebanho, provocando queda na produção do leite, fechamento de algumas agroindústrias, enfraquecimento dos ganhos econômicos. A substituição de culturas, em prazo curto, nem sempre é factível. Provavelmente os agricultores atuais se oporiam a essa medida e conflitos desnecessários perturbariam a tranquilidade da população.
Outra possível medida, fácil e imediata, é aproveitar as precipitações da chuva, ao longo do ano, através de barragens de contenção e detenção, formando reservas em locais estratégicos para alimentação dos aquíferos interiores e uso alternativo da água.
Casca tem uma extensão de 272 km2, com boa reserva florestal, morfologia geográfica e abundante material adequado que permitem a construção de pequenos e consecutivos represamentos de água. A revitalização de nascentes, maior armazenamento de água no solo e nas plantas darão maior sustentabilidade e por mais tempo à atual atividade econômica do setor leiteiro.
A implantação gradativa de um conjunto de medidas sistêmicas de armazenamento de águas pluviais facilitaria a infiltração e equilibraria os índices de umidade necessária à produção agrícola. Entre elas, indicam-se:
· Barragens de pedra com arquitetura de arcos romanos deitados, ao longo dos canais de drenagem e esgotamento das águas, formando represas de diferentes tamanhos.
· Reflorestamento corretivo nas pastagens, estabelecendo corredores vegetais de larguras adequadas ao terreno, em curvas de nível, que auxiliam a retenção da água.
· Estabulação e pastoreio controlado do rebanho, evitando-se a compactação intensa do solo e facilitando a infiltração.
· Formação de pasto de corte complementar ao pastoreio livre.
· Complexos alimentares alternativos dependendo da oferta regional de produtos descartados.
· Canalização e armazenamento de águas que caem sobre as vias de terra ou asfaltadas, através de bueiros de coleta inteligente que despejem em represas antes de alcançarem os rios.
· Envolvimento da população urbana com a participação de estudantes, professores, empresários, secretaria da agricultura, secretaria do meio ambiente, sindicatos rurais no sentido de aproveitamento das águas sobre a área urbana, manutenção da limpeza e coleta intransigente do lixo na área rural.
· Incentivos aos que se propõem a praticar o armazenamento de água pluvial, através de prêmios financeiros ou prestação de serviços de máquinas, estabelecidos pela câmara legislativa.
Tomando-se, por hipótese, a precipitação anual de 1.600 milímetros (1.600 litros por metro quadrado), sobre o município de Casca, cuja extensão é de 272 milhões de metros quadrados, se contabilizariam 435,2 bilhões de litros. Se o conjunto de medidas aplicadas para o aproveitamento das águas da chuva conseguisse conter e deter, anualmente, 15% desse volume (65,2 bilhões de litros), ter-se-ia reposta a quantidade necessária para equilibrar o consumo do rebanho atual de 16 mil bovinos leiteiros.
É desejável que esse conjunto de medidas seja apoiado por rigoroso estudo de novas atividades econômicas, focado no planejamento de longo prazo, destinado a sugerir a possível substituição de produtos tradicionais primários e industriais. Pequenos animais e cultivos vegetais que necessitem menos água podem dar às novas gerações opções mais adequadas à conservação e proteção da natureza e melhores condições de saúde física para toda a população de Casca.

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