segunda-feira, 21 de junho de 2010

SOU UM EXCLUÍDO

Sou um excluído. Pertenço a uma categoria de cidadãos que se torna maioria. Maioria excluída. Uma espécie de morte antecipada. Já existem os que festejam em vida, com coquetel regado a champanhe e vinhos, o próprio velório para não serem esquecidos na azáfama do coma fatal.
Vivo de favores e da compaixão alheia. Em certos casos, toleram-me. A faixa de pedestre é um caso de tolerância magnânima. O cidadão é excluído das ruas da cidade interditada para pedestres.
No caixa do banco ou do supermercado, me colocam numa fila preferencial na companhia de mulheres grávidas e deficientes físicos para não atrapalhar os clientes jovens e sadios com meus passos trôpegos e vista cansada. Há dias, recusei convite para um baile da melhor idade, um eufemismo para festejar a catástrofe humana dos excluídos.
Na semana passada, entrei num bar. Ninguém conversava, todos gritavam. Aquelas duas centenas de clientes jovens, empregados concursados e bem-pagos, me olharam com tal estranheza que percebi ter entrado em uma propriedade privada protegida por cães. Dirigi-me à única mesa vazia, ao fundo. Um casal de brancos cabelos mirou-me complacente e sorriu aliviado. Não estava só.
Numa loja 1,99, sorri amavelmente à jovem vendedora afrodescendente, com idade de ser minha bisneta. Li a desconfiança em seu pensamento. Não seria eu o pedófilo da quadra?
Não tenho câncer de próstata para merecer uma corrente de solidariedade, orações, florais de Bach e pensamento positivo. Sou invisível porque não componho as quadrilhas de políticos, funcionários graduados, empresários e consultores indiciados por corrupção e perseguidos pela polícia. Sou apenas um escritor póstumo, sem espaço nas folhas culturais.
Não sou um patriota típico, como esses donos do país que pregam 4 bandeiras verde-amarelas nas janelas do jipão Kia, se infiltram pela direita e pela esquerda. Sou humilhado no trânsito e empurrado para o acostamento.
Em outros tempos, aconselhavam os pais a dialogar e a nada impor aos filhos para não tolher-lhes a independência e a criatividade. Hoje, os pais não têm tempo de estar com os filhos. Os avós são chamados para os serviços de taxi e de babá. Toda a sabedoria acumulada em sete décadas pouco serve a esses pequenos gênios, superdotados e hiperativos. Eles aprenderam, nos 4 primeiros anos de vida, o que demorei 50 anos para me iniciar. O que eles sabem, diante do celular, da câmera digital, do Orkut e do Google, não terei tempo de aprender nos dias que me restam. Estou fora.
A pátria dispensou meu voto idoso, minha opinião arcaica, minha experiência ultrapassada. Jogaram-me para o acostamento político. Impotente, vejo viadutos desnecessários, na contramão da ecologia, surgirem da noite para o dia. Vejo arrancarem árvores centenárias para abrir caminhos impermeabilizados a fim de facilitar a passagem de milhares de carros que me envenenam de graça e aumentam minha conta na farmácia.
Sinto-me um excluído neste tempo moderníssimo da globalização e das tecnologias mais avançadas das comunicações. Resigno-me a caminhar pelas aleias desta cidade que decretei capital da geografia sentimental de meus amores e lembranças.

Um comentário:

Ivo S. G. Reis disse...

Excelente e muito verdadeira crônica, companheiro, parabéns!

Você teve a percepção e a coragem de expressar o sentimento que deve afligir a maioria dos idosos brasileiros, muitos deles, cidadãos ainda produtivos, especialmente no campo intelectual, e que não são valorizados e nem aproveitados no lugar certo, ao contrário do que acontece em alguns países, onde a experiência de vida e a sabedoria dos idosos são valorizadas, utilizadas e até melhor remuneradas.

Não, o Brasil ainda não acordou para isso. Sei que é verdade, porque aposentei-me há um ano, tenho pelo menos uma dezena de atividades empresariais que poderia
exercer com a mais absoluta perfeição, mas nem tento, porque já sou sessentão e eles sequer nos deixam tentar ao ver que você passou dos 60 (exceção para políticos, é claro, que podem trabalhar até a decrepitude total).

Afora isso e ainda dentro das discriminações, para o aposentado é quase tudo mais caro e difícil, quando deveria ser o contrário. Os planos de saúde para os idosos têm prestações mais caras, os financiamentos, prazos reduzidos e exigência de seguros e por aí vai.

Aposentados e idosos (ainda votantes)só são lembrados no discurso político enganoso, para efeitos eleitoreiros. Mas de concreto, muito pouco ou nada se faz.

Esta é a realidade brasileira e também em muitos países. Não consigo entender porque não seguem o exemplo daqueles países que valorizam o idoso, dão-lhe condições dignas de vida, promovem a sua reinserção no mercado de trabalho e até incentivam isso.

A propósito, recebi um artigo seu (Os Normais...), enviado por uma colaboradora do meu blog "Debata, Desvende e Divulgue!", pedindo divulgação e reproduzi-o na rede social "Observatório Político Brasileiro" (http://observatoriopolitico.ning.com). Visite-nos lá e confira!

Abraços!