quarta-feira, 23 de junho de 2010

POPULAÇÃO ANÔNIMA

A Agrovila E. das L., a apenas 53 quilômetros do centro da capital federal, tem uma população estimada em 5 mil habitantes. Em 2009, o funcionário encarregado da distribuição de cestas básicas, acrescidas de pão e leite às famílias, classificadas como de extrema pobreza, registrou 17 adolescentes grávidas. Nos últimos dez anos, o número de famílias pobres, assistidas por programas governamentais, não diminuiu. A razão tem duas vertentes: o interesse eleitoral do governo e a acomodação das famílias. Este último aspecto se explica pela falta de trabalho remunerado, envelhecimento dos pais e nascimentos não programados, entre esses, de adolescentes.
Informações veiculadas pelo serviço nacional de saúde vinculado a hospitais, postos e agentes comunitários, em 2009/2010, registraram 400 mil meninas grávidas atendidas pelo pré-natal. Só no Hospital das Clínicas de São Paulo, foram atendidas 1.700 jovens gestantes.
São 400 mil adolescentes que interromperam os estudos, gestando 400 mil nascituros que, dentro de seis anos, terão que frequentar escolas. Nada indica que o ano de 2009 seja atípico. Essa população anônima de 400 mil ao ano pesa imprevistamente sobre todos os serviços públicos de saúde, educação, trabalho, água, alimentação, energia, habitação. Esse contingente parece não tirar o sono dos administradores da população brasileira nem dela própria. O que são 400 mil anônimos num total de 200 milhões? Para quem não usa a aritmética pode ser um número insignificante.
Essa população é sorrateira e não entra no planejamento orçamentário do país. Alardeia-se que o índice de fertilidade está decrescendo e se proclama a ridícula média estatística de 1,75 filhos por família, mas não se revela onde, em que nicho, em que circunstâncias e condições a população cresce.
Na Agrovila E. das L., a perspectiva é de 20 famílias de adolescentes ao ano, com demanda de 20 vagas na escola precária, 20 novos empregos, 2.000 litros diários de água a mais num casario poeirento e sem esgoto, 20 novas cestas básicas, leite, pão e bolsa família.
Num país tropical, de sol abrasador e temperatura mórbida, ninguém negará a uma adolescente o desejo de desvendar o segredo do próprio corpo. Nem por isso o prazer da aventura juvenil deva ter, como recompensa, cueiros, fraldas e mamadeiras.

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