segunda-feira, 7 de junho de 2010

CEPAL E IGUALDADE

No mesmo dia em que a CEPAL se reuniu no mais luxuoso hotel de Brasília (R$ 345,00 o pernoite) para propor medidas destinadas a amenizar as desigualdades, o governo publicou a avaliação anual da execução do programa Bolsa Família, modelo social para o mundo.
Os resultados quantitativos são expostos em números grandes. Doze milhões de famílias atendidas. Dez bilhões de reais repartidos entre 72 milhões de cidadãos miseráveis. Os números pequenos ficam por conta dos beneficiários. O incluído recebe três reais por dia. O número grande, na boca da ministra, se apequena na mão do pobre. Leio o que ela diz baseada no princípio do “mais que nada”. “A vida das famílias mudou completamente. Não só pelo dinheiro, mas pelo fortalecimento da rede de proteção”. Ela se refere aos serviços públicos de educação, saúde, luz elétrica e água que é um dever do Estado para todos os cidadãos. É o cacoete burocrático que explica o inexplicável. E acrescenta com seriedade comovedora: “A transferência de renda tem função complementar de mobilizar a renda e os serviços”. Outra voz do mesmo ministério acrescenta que “o maior desafio é tirar essas famílias da pobreza”. Segundo o ministério, pobre é quem ganha, trabalhando, até quatro reais por dia para sobreviver. Os três reais acrescidos pelo Bolsa Família o põe, em definitivo, acima dessa fatídica linha que separa pobres de ricos.
Para dar consistência aos grandes números, entrevistam-se beneficiários da distribuição da renda. É de se supor que poucos rejeitam o dinheiro mensal e todos fazem dele o melhor uso que as condições de pobreza requerem. E.A., desempregada, três filhos, dois sobrinhos e um neto, com 21 reais diários, consegue dar-lhes três refeições ao dia, pagar conta de luz e água, feijão, arroz e pão, remédios, calçado, roupa e transporte! O Tesouro Nacional estaria em boas mãos se a contratassem para controlar os gastos do governo.
É comum dizer-se que há três Brasis, lutando contra a desigualdade, cada um a seu modo. Os miseráveis estão situados abaixo da linha da pobreza (menos de 4 reais diários), por isso, beneficiários de renda complementar. Ignora-se o número de miseráveis não alcançados pelo programa e que se somam ao Brasil III, com mais de 70 milhões. Menos da metade tem abastecimento de água, coleta de lixo e saneamento básico, cada dia mais caros. A maioria é semialfabetizada e refém das informações veiculadas em novelas, noticiários ou documentários de TV.
Os remediados que formam o Brasil II se confundem com a massa da classe média, arrastada artificialmente para cima com critérios estatísticos cientificamente comprovados. É o maior Brasil. Tem vocação de campeão. Está anestesiado pelo crescimento econômico e pelo PIB. É o consumidor por excelência de máquinas, artefatos eletrônicos, discos de música pop. Movimenta bares, restaurantes, cinemas, centros comerciais, planos de saúde, companhias de turismo para viagens ao exterior. Alguns até compram livros.
O Brasil I é o menor, mais poderoso, manda no país. É responsável pela feitura das leis, controla seu cumprimento, define os graus de impunidade, advoga em causa própria. É responsável pela promoção do Brasil I à Quinta Potência e vive de corpo e alma no Primeiro Mundo dentro e fora do país.
A CEPAL, em boa hora, poderia propor que os investimentos para o bem-estar comum se desloquem do Brasil I para o Brasil III. O erro das decisões políticas e econômicas é não investir nas regiões onde vivem os pobres. As escolas são tugúrios, os professores malpagos e malformados, o serviço de saúde é insuficiente, as vias de acesso e as ruas dos vilarejos são cobertas de lixo e esgoto. Em vez de investimentos maciços nesses serviços, alguém decide levantar um viaduto desnecessário e inútil na cara dos pobres (vide Engenho das Lajes, DF) para enganá-los com ferro e cimento, deixando tudo o mais na extrema pobreza. Ou programa-se uma imensa hidrelétrica, em nome do PIB, que expulsa os habitantes pobres das selvas e os empurra para as periferias das cidades, sem emprego e sem renda. Por isso, o Bolsa Família se justifica, é necessário e suficiente para manter a desigualdade acima da linha da pobreza.
Investir onde vivem os pobres seria um novo caminho para a igualdade social, econômica e política. Um modelo para os países da América Latina.

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