quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

VELHACARIA E ASTÚCIA

Estupefatos, no primeiro momento, diante de imagens de pacotes de dinheiro saídos do nada, passando às mãos de servidores públicos e enfiados em bolsos, bolsas e meias, perguntam-se muitos cidadãos como é possível que isto se repita de forma descarada.
Já ia longe e esquecido o mensalão petista, o peessedebista, as maletas entupidas de dólares e os maços de reais escondidos na cueca de um deputado. É de se lembrar que alguns desses personagens, outrora, pertenceram a grupos revolucionários, dispostos a implantar um regime socialista ético e democrático. Eles chegaram ao poder e revelaram-se hábeis comediantes de circo.
Funciona, neste país grande, rico e atrasado, uma escola aberta onde se aprende e se ensina astúcia, artimanha, dissimulação, hipocrisia, malícia, manha, trapaça, velhacaria. Essa rede de conhecimentos práticos da vida cotidiana sustenta nossa organização social, construída ao longo de cinco séculos. Não é apenas com a apropriação do dinheiro público. No trânsito, nas escolas, nas universidades, nos edifícios residenciais, no trato com a natureza, na invasão de terras públicas as artimanhas encontram justificativas legais, jurídicas, políticas e administrativas.
A adaptação a esses comportamentos se faz tão naturalmente que já não se percebe a gravidade das violações às leis que foram promulgadas com a certeza de que não impediriam as manhas do cidadão. Os exemplos oferecidos exibem o contrário proposto na lei.
Dessa escola leniente e mole derivam os gingados da capoeira, o samba sarcástico do carnaval de rua, a pizza de finas ervas e, hoje, o panetone. O escândalo diante de um espetáculo de pacotes de dinheiro enfiado em meias, em bolsos, bolsas e cuecas tem o mesmo efeito de um gol da seleção brasileira ou de um bolo na cara de um palhaço de circo.
A realidade da velhacaria praticada por graduados servidores da nação brasileira é tão espalhafatosa e cínica que se torna inacreditável. Por isso, as imagens são mostradas centenas de vezes para se acreditar na sagacidade e na esperteza habilidosa dos comediantes públicos. Tão inacreditável que o primeiro mandatário do Brasil, ausente do grande circo, afirmou com a mesma argúcia do prestidigitador que “as imagens não falam por si”. Frase sibelina que remete aos arúspices romanos.
As lições diárias e intensas dessa escola aberta à população incauta têm a virtude de não ferir a ética profunda do cidadão. Ele toma a leviandade e a mentira como atitudes normais. A dignidade moral foi soterrada sob o princípio egocêntrico do tirar proveito e vantagem de qualquer situação. A informação que chega ao cidadão escorre pela superfície. Nossas escolas ensinam a ler, não ensinam a pensar. De cada cem possíveis leitores, apenas seis leem jornais. Os outros noventa e quatro os usam para fazer pacotes. Os milhões que assistem à TV riem dos palhaços e desligam o aparelho ao término da exibição.
Os comediantes públicos, impunes e orgulhosos de suas trapaças, contentes com o riso anônimo, armam novamente o circo na praça, pintam o rosto, divertem a plateia e convidam os eleitores a aplaudi-los. E eles os aplaudem.
Em 2010, eles voltarão com a mesma peça na certeza de que ninguém se lembra de tê-la visto. A nossa organização social circense nutre o político comediante, o servidor corrupto, o cidadão passivo e o eleitor manhoso movido pelo impulso do riso cordial e agradecido diante da pizza ou do panetone.

Um comentário:

Chicão Somavilla disse...

Creio que a informação manipulada que temos no Brasil colabore para que a corrupção seja vista desta forma,(a TV principalmente). Nas mãos de quem estão os veículos de comunicação em massa? Isso somado a falta de interesse da população sobre as coisas da política é que facilita a continuidade dos patrimonialistas, gatunos, oportunistas,mãos leves, no poder.
Parece que os principais partidos políticos estão em estado de putrefação cívica.