terça-feira, 15 de dezembro de 2009

O SAPATEIRO DA RUA 13

Para chegar ao quarto alugado, na rua 13, número 26, passava pela porta sempre aberta da sapataria do senhor Berti. Um cheiro de cola e couro inundava o metro quadrado de calçada. Respirava aquele odor com nostalgia de coisas antigas, quase no limite do desaparecimento. Olhava discretamente para dentro. Um corredor de alguns metros, um balcão desalinhado, crivado de furos produzidos por pregos e tachas, uma lâmpada focando a banca onde o velho sapateiro sentava para os reparos em sapatos, sandálias e botas. Ao passar diante da porta, vez por outra, coincidia ouvir marteladas que certamente enterravam tachas e pregos nos tacos dos calçados em reparo.
Bolsista do governo francês, estudante com orçamento apertado, quilômetros a pé, metrô quando estritamente necessário para atravessar Paris, minha única botina pedia reparos para viver mais uma temporada. Tinha 32 anos, solteiro, educado na escola antimatrimonial cujos princípios começavam a ruir. Pouco tempo depois, abandonei aquelas aulas.
Entrei na sapataria do Berti. Bom papo. Bonachão. Depois de várias visitas e longas conversas, soube que havia passado dos sessenta. Olhava-me com uma ponta de inveja paternal, disposto a me dar conselhos. Achava-me um pouco mais jovem do que de fato era. Seu sotaque puxava ao italiano e, na intimidade conquistada, migrávamos do francês para nosso idioma de origem.
Berti, em sua longa vida matrimonial, viúvo havia dois anos, acumulou sabedoria prática e um variado estoque de conselhos. Iluminou-se com ocasião de orientar minha inexperiência de solteiro e escolheu duas recomendações que constituíam, segundo ele, a base de um casamento estável e, possivelmente, feliz.
− Sexo e conversa, afirmou Berti, convencido, sério e balançando a cabeça afirmativamente.
Abriu levemente os braços à italiana, apertou os lábios para cima e me olhou com um sorriso de anjo de Rafael.
− E a mesa?
Perguntei pensando na macarronada dominical do casal.
− Comer, sem sexo e conversa, engorda.
Na segunda-feira, voltei à sapataria. Berti embrulhou minhas botinas em folhas do Le Figaro dominical. Não cobrou pelo reparo e lembrou-me o sábio conselho para usá-lo no futuro:
− Sexo e conversa.

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