domingo, 27 de dezembro de 2009

ORÇAMENTO BARRIGUDO

A chefe da delegação brasileira para a COP15, composta de 720 convidados, avisou aos países ricos que “sem dinheiro não sai acordo”. O ponto importante não era a disposição de refrear o uso indiscriminado de equipamentos requeridos pelo crescimento econômico com a finalidade de diminuir a emissão de gases de efeito estufa, ou CO2. O olho da ministra e, provavelmente, de grande parte dos países pobres e emergentes – todos pertencentes ao capitalismo de mercado ou de Estado − estava no volume de dinheiro ao alcance da mão. Qualquer soma acima do milhão, a experiência e os fatos atestam, foge ao controle e vaza entre as mãos e vestimentas dos executores.
O forte argumento das discussões de âmbito internacional é que o maior poluidor são sempre os outros, os países ricos. Estados Unidos em primeiro lugar. Os países pobres se põem na posição de garis obrigados por profissão a limpar a sujeira produzida pela displicência dos ricos.
Estamos diante de um dilema: os ricos sujam porque têm dinheiro, os pobres sujam porque não têm. Os ricos têm dinheiro para sujar. Os pobres não têm dinheiro para limpar. Ambos, ricos e pobres, dizem que não podem parar de sujar.
Os legisladores brasileiros acabaram de aprovar um gordo orçamento na casa do trilhão de reais para gastar em 2010.
O conjunto automotriz – indústria e comércio − investirá bilhões para produzir CO2. Quantos bilhões para limpar a atmosfera?
A aviação nacional e internacional − empresários e passageiros − espalhará bilhões para sujar a atmosfera. Quantos para limpá-la?
Os desmatadores da Amazônia e do Cerrado enterrarão bilhões para dizimar biomas e reduzir a biodiversidade. Quantos bilhões serão desembolsados para tirar essas regiões do coma induzido?
A indústria imobiliária arrasará bosques, secará mananciais, desertificará amplas regiões, roubará espaços necessários ao movimento dos fenômenos naturais, causará inundações nas cidades. Quantos bilhões creditará à limpeza?
O governo estimula obras bilionárias que facilitam a emissão de CO2 de forma irracional e descontrolada. Quantos bilhões realmente aplicará para limpar a sujeira produzida?
Os bancos oficiais e privados lucrarão bilhões para incentivar o consumo predador e muitas vezes desnecessário, anestesiando a consciência ecológica e ambiental de milhões de clientes. Quantos bilhões, além da publicidade das boas intenções, se dirigem a limpar a sujeira provocada?
A população que se expande é incentivada pelos governos, pelos donos da economia e pela mídia a gastar bilhões. Reduzem-se impostos, abrem-se as carteiras de crédito, diminuem-se os juros, alargam-se os prazos, distribui-se dinheiro aos que não podem ou não sabem produzir. Fecha-se, assim, o ciclo da irracionalidade ecológica. Consumir mais para produzir mais, rumo ao infinito. Produzimos lixo a custo alto e reclamamos da falta de dinheiro para varrer os detritos e entulhos que deixamos pelo caminho.
A lista é longa e enfadonha pelo fato de não se produzir sem sujar. Quem, em todas as esferas da economia e do governo pensa seriamente na aplicação de seus trilhões? Nem o Presidente, nem seus ministros, nem os legisladores acordaram para a (ir)responsabilidade política de estímulo à sujeita ambiental acumulada. Nem pensaram que antes de exigir dinheiro suplementar alheio para perder-se em maracutaias e mensalões é preciso usar a prata da casa em ações que possam sujar cada vez menos. O custo da limpeza será, então, muito menor.

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