domingo, 27 de dezembro de 2009

EUFORIA GERAL

Economistas, sociólogos, jornalistas, adesistas de várias categorias, repetidores de índices e indicadores, analistas políticos, investidores do comércio varejista e da indústria automotriz e eletrônica preveem para 2010 perspectivas otimistas de bem estar econômico.
Daqui de minha janela, vejo o Brasil separado em dois blocos. Um, com ricos, mais ricos, riquíssimos. Para estes, qualquer situação que se apresente, em 2010, lhes será favorável. Encherão restaurantes, bares, shoppings, aviões, carros luxuosos. Outro, com famintos, miseráveis, pobres, menos pobres, consumidores de eletrônica barata e quinquilharias chinesas e os quase ricos, endividados em créditos perpétuos de prestações geradas por cartões de fidelidade.
A desigualdade entre os dois blocos é observada e medida pelo critério do mais que nada. Trata-se de diminuir a desigualdade intrínseca dos subgrupos. O faminto de hoje se iguala ao menos faminto de amanhã. Nada a ver com o rico de hoje e o mais rico de amanhã.
As comparações entre os avanços do quase rico endividado são mais alentadoras para o otimismo geral. Os menos pobres usam celular com o mesmo sinal do riquíssimo. A tecnologia do fim iguala a todos, separados pela tecnologia dos meios. Os brasileiros usam 170 milhões de celulares com ou sem necessidade.
Em alguns setores é possível diminuir a desigualdade de acesso a serviços. É inimaginável levantar uma torre de repetição para uma elite privilegiada nem estender uma linha de trem só para famintos. Onde a desigualdade aparece entre riquíssimos e quase ricos é na escola, na aprendizagem, na amplitude dos conhecimentos, na compreensão do universo, nas relações de convivência, nos privilégios e na discriminação.
É lento o processo de desaceleração da desigualdade nos serviços de saúde, de habitação, de lazer, de trabalho criativo. Por isso, é mais fácil ser otimista analisando-se a economia em números grossos, apelando para os milhões, bilhões, trilhões. A aritmética rasteira não consegue seguir essas cifras, mas elas produzem euforia e otimismo generalizado saídos da geladeira, do celular, do computador e do carro zero. São esses alguns dos méritos do Bolsa Família que diminui o número de famintos e miseráveis, alivia as tensões dos menos pobres sem afetar a velocidade de enriquecimento dos mais ricos.
É evidente que não se constroi uma sociedade igualitária apenas eliminando a fome e apaziguando a consciência coletiva com o mais que nada. É necessário perguntar-se por que um país dito celeiro do mundo comporta 60 milhões de pessoas com fome? Caminhando pelas ruas, viajando em trens, visitando museus em países que, há mais de duzentos anos, se ocupam e preocupam com os direitos concretos de seus cidadãos, é quase impossível distinguir pela vestimenta, pelas atitudes e expressão lingüística a que classe social pertencem as pessoas. A informação essencial, o conhecimento básico plural, as atitudes sociais e relacionais indicam uma linha constante de igualdade e independência, de soberania individual sem a subserviência do dominado político.
Aqui, onde a sociedade demora no estágio da fome, da pobreza e dos rendimentos infra-humanos do trabalho quase escravo vê-se, de um lance, quem é miserável, pobre, quase rico pela via artificial das dívidas e quem pertence à pequena camada de ricos sem falar dos riquíssimos.
Não se denunciam pobres apenas pela vestimenta e pelo andar, Sua desigualdade é compacta e precede a pessoa que a afeta. Sua atitude de submissão, de defesa, de imploração, seu olhar vazio, sua amargura crônica, seu linguajar, sua ignorância básica e atávica, envolta em superstições danosas e insuperáveis o denunciam. A desigualdade tem que ser superada por cima, não por baixo. Não é aproximando o miserável do pobre ou o pobre do menos pobre que se supera a desigualdade. É pondo barreiras éticas por cima, sem medo de ferir a livre iniciativa ou o enriquecimento sem limites.

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