terça-feira, 8 de abril de 2008

PRIORIDADES INTRIGANTES

A força do crescimento da população urbana e a dificuldade política de governá-la, através de serviços racionais e harmônicos, preparam graves situações de caos nas grandes e médias cidades. A população cresce mais rapidamente do que a capacidade política de administrá-la.
A população é a razão de ser do Estado. Apesar das leis que ordenam todos os comportamentos sociais, políticos e econômicos do país, a população impõe prioridades e exige atividades que satisfaçam suas necessidades.
Organizada ou não, a população, à medida que aumenta, expõe com maior vigor essa exigência de satisfazer necessidades e interesses cada vez mais intensos.
Parte da população busca diretamente meios de que necessita para sobreviver: água, comida, abrigo. Mas, a maioria da população satisfaz suas necessidades básicas através de serviços públicos e privados essenciais e supérfluos.
O superpovoamento urbano é um sintoma de superpopulação. A multiplicação de bairros na periferia das cidades, as invasões de espaços públicos, as filas nos hospitais e postos de saúde, a precariedade do sistema de educação, a ênfase dada aos programas de compensação a milhões de marginalizados do permanente milagre econômico são alguns dos indícios da superpopulação.
Em que áreas a população impõe prioridade nos serviços organizados pelo setor estatal ou pela iniciativa privada?
Em plena epidemia de dengue, com milhares de pessoas afetadas e dezenas de mortes, a saúde pública não atrai investimentos necessários em equipamentos e pessoal especializado que se antecipem ao desastre anunciado.
A prioridade que a população impõe, há alguns anos e o fará mais intensamente nos vindouros, é a chamada “adaptação da cidade ao carro”. Foi-se o tempo em que o sonho era adaptar a cidade ao habitante e torná-la a grande casa, o lar ampliado, a sala de estar dos amigos.
A cidade se tornou um labirinto de ruas, ruelas, avenidas, pontes, viadutos, estacionamentos em volta de todos os prédios, em edifícios e nos subterrâneos, semáforos, controles eletrônicos de velocidade, radares, polícia rodoviária, blitze, milhares de placas de sinalização e advertência. Os investimentos públicos exigidos pelo automóvel sufocam as demais obras eventuais em escolas ou hospitais. O cuidado com os pedestres é incomparavelmente menor do que o ministrado ao carro, além de estar o pedestre em permanente risco de ser atropelado na curta passagem que lhe é oferecida. A casa, o edifício, o bairro são projetados sob a luz da imprescindibilidade do carro. O novo bairro Noroeste de Brasília prevê estacionamentos para 40 mil carros e não uma linha de metrô.
E quando menos se espera, surgem, em previsão de futuras necessidades, um viaduto ou a duplicação de avenidas. O carro se transforma numa usina ambulante de produção de dióxido de carbono, livre e desimpedido das árvores que outrora produziam oxigênio.
O milhão de carros que circulam diariamente pelas avenidas do Distrito Federal estabelece tragicamente a adaptação da cidade ao carro e aprisiona os condutores em engarrafamentos diários imprescindíveis e conseqüentes. O trânsito lento e entupido torna-se parte da normalidade urbana.
O carro constitui um dos sonhos do cidadão que só ao acordar percebe a gravidade do pesadelo.
Há tempo ainda de limitar o número de carros de uma cidade para transformá-la em casa coletiva ou sala de encontro de amigos?
Haverá tempo para um retorno à racionalidade do transporte e da circulação das pessoas antes que o caos imponha sua implacável ditadura?
Como diria J. S. Bach: Basta! Temos carros suficientes!

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