quinta-feira, 17 de abril de 2008

ANISTIA INDENIZATÓRIA

Movido pelos princípios da nova ética na política, em voga no Brasil, ofereço à consideração dos leitores meu pedido de anistia indenizatória à semelhança de Jaguar, Ziraldo, Heitor Cony e companhia, ideólogos de esquerda que souberam investir no futuro democrático em que o povo paga todas as contas.
Observação: O texto é apenas uma jocosa ironia.
Autorizo a divulgação

========
Senhor Ministro da Justiça,

De tempos em tempos, recebo informações de decisões da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça sobre processos de indenização a cidadãos que tiveram seus direitos políticos lesados e sofreram danos comprováveis durante os anos da ditadura militar.
Achei, por isso, oportuno apresentar meu pedido de indenização por perdas financeiras e danos morais em conseqüência de atos autoritários da junta militar.

Depoimento:

Em 1965, o major Foschiera, sediado em Santo Ângelo (RS), me enviou um telegrama cifrado. Avisava-me da existência de uma ordem de busca e captura contra mim, frade Licenciado em Ciências Sociais, por incentivar a organização de agricultores sem terra. Orientou-me a sair do Rio Grande do Sul e do país. Refugiei-me incontinenti na clandestinidade, nela permanecendo durante mais de dois anos, nos estados de São Paulo, Goiás e Mato Grosso, realizando humildes tarefas para sobreviver.
Em 1967, graças ao empenho de amigos, recebi bolsa do Governo francês. Deixei o país e me exilei na França. Naqueles anos, não tive alternativa.. A história pátria demonstrou com evidências trágicas o destino dos que caíram nas mãos do DÓI-CODI.
Em 1968, depois de longa depressão, semanas de reflexão, inúmeras consultas a teólogos, sob forte pressão psicológica e meses de terrível angústia, abandonei a Igreja e o sacerdócio. Perdi a fé, a religião e refugiei-me no ateísmo. Amargando o exílio forçado, longe da família, dos amigos, do trabalho profissional, em país estrangeiro, perdi as referências de amigos e as oportunidades de trabalho.
Não fosse a arbitrária ordem militar de busca e apreensão, teria continuado na Ordem franciscana. Minha carreira na hierarquia teria sido semelhante à de companheiros à época. Anunciava-se como certa minha eleição para definidor do Conselho Provincial, com os votos de confrades que me respeitavam e depositavam em mim a confiança de levar a província dos religiosos do Sul aos píncaros do prestígio eclesiástico, integrando-a ao sublime ministério pastoral de atendimento preferencial aos pobres e marginalizados da sociedade.
Roma, na década de 80, ofereceu bispados à Ordem. Como os confrades Frei Salvador, Frei Orlando Pinotti, meu primo Frei Clodoveu, teria eu certamente sido sagrado bispo, residido confortavelmente num palácio episcopal e representado a Igreja Católica em cerimônias públicas, ao lado de governadores e presidentes.
Meu prestígio entre os confrades, meu discurso corajoso, minha ação abnegada teria me valido o cardinalato, aos 70 anos, e poderia ter disputado, como representante do Brasil e da América Latina, o trono de São Pedro, nas eleições papais do Vaticano.
Em vez disso, submeti-me a fazer pacotes numa gráfica de Paris. Não me furtei a enfrentar a vida como um homem comum, sem pátria, sem família, sem trabalho profissional digno.
Encontrei, mais tarde, uma companheira com quem tive uma filha problemática que por sua vez gerou duas filhas ainda mais problemáticas. O casamento, além das duras obrigações do matrimônio e educação da prole, cortou todas as possibilidades de seguir uma prestigiada carreira hierárquica.
É evidente, nesses fatos, a presença da mão discricionária do regime de exceção, na mudança de rumos de minha vida.
Aos contadores dessa repartição ministerial, é possível computar benefícios subtraídos, salários presumidos, patrimônios imobiliários não acumulados, meios de locomoção, cargos e demais honrarias que acompanham os altos dignitários de uma sociedade religiosa de âmbito internacional. Diante disso, solicito, data venia, ao Ministro da Justiça, através da Comissão de Anistia, haja por bem determinar, no processo de indenização, o pagamento de valor compensatório ao reclamante, não inferior a um milhão de reais, quantia outorgada a outros cidadãos honestos, vítimas do mesmo governo ditatorial.

Eugênio Giovenardi, autor do romance autobiográfico OS FILHOS DO CARDEAL, entre outros.

Nenhum comentário: