quarta-feira, 22 de agosto de 2012

O LIXO É SUSTENTÁVEL


 

Somos sete bilhões de seres humanos empenhados em produzir toneladas de lixo diário nos mais variados modelos e nas mais estranhas espécies. Do copo plástico do cafezinho ao sofá desmantelado, do saco de supermercado ao carro despedaçado, do toco de cigarro a restos de comida, embalagens diversas e entulho de construção depositam-se à beira de rodovias, enchem-se contêineres, caminhões, lixões, usinas de reciclagem, rios, córregos, lagos e o mar. Gases-estufa, lixo atômico, usinas elétricas, carros e aviões, indústrias de todo tipo emitem CO2 e concorrem para o aquecimento global do planeta.
O lixo é sustentável por duas razões em consequência de nosso estilo de vida: lixo gera lixo, isto é, para recolher lixo precisa-se de algo que terminará no lixo; a reciclagem do lixo o transformará em nova modalidade que, depois de usada, será jogada no lixo. Esta corrente é sem fim e tem seu primeiro anel no próprio produtor de lixo: o homo sapiens.
As quantidades são enormes e escapam à capacidade aritmética e à possibilidade de imaginar o que significam em números. E o que mais assusta é o volume de lixo que não se vê. Há dejetos produzidos pela agricultura, mineração, indústria, energia elétrica e resíduos líquidos que alcançam cifras de bilhões de toneladas. Para onde vai esse lixo? Ao mar, à terra, ao ar.
Essas montanhas que os lixões do Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Brasília apresentam na TV para comover os produtores de lixo são apenas o que se vê. A ONU estima uma produção de lixo humano visível de 1 bilhão de toneladas por ano. Isto quer dizer o equivalente a 140 quilos por pessoa no período de um ano ou quase meio quilo por habitante dia.
O que se deve observar é que apenas pequena parte dessa montanha de lixo é reciclada. Mais de três quartas partes é puro desperdício. Vai para o chão. No Brasil, recolhem-se diariamente ao redor de 240 toneladas de lixo, ou seja, mais de um quilo por cidadão. No Distrito Federal, a média de produção diária de lixo visível por habitante é de um quilo.
Somos incansáveis na produção de lixo e sequer percebemos. Quando entramos no supermercado, na farmácia, no restaurante, no posto de gasolina, na sala de cinema ou teatro, na oficina, na loja de material elétrico, na gráfica, na livraria, no automóvel, ou saímos à rua, ou pegamos a estrada para curtir as férias, grande parte do que compramos é ou será lixo. O lixo é insinuante, nos engana e seduz. Produzimos lixo desde o berço. Nossa casa é uma indústria de lixo que será aperfeiçoada na escola, receberá diploma acadêmico na universidade e será remunerada com altos salários em nossa vida profissional.
Há, porém, uma espécie de lixo do qual pouco se fala por discrição, pudor, vergonha ou delicadeza social. Não menciono os cemitérios para não ofender a reputação dos mortos ilustres. Aldous Huxley – Admirável mundo novo – introduziu nos majestosos edifícios do Crematório de Slough equipamentos para transformar o P2 e o O2 em fósforo ao invés de poluir o ar da Inglaterra. Os filtros extraiam mais de um quilo e meio de fósforo por corpo de adulto cremado.
Refiro-me, com circunspecção, a outro tipo de dejeto produzido do qual não estão livres reis, papas, presidentes, pobres e ricos, grandes e pequenos, precedido ou seguido de flatos cujo gás inunda os ares. A flatulência gasosa se soma ao dejeto sólido. Esse lixo invisível, à razão de 250 gramas diários, produzidos por 190 milhões de cidadãos brasileiros, coletados em vasos de porcelana, é ainda desaproveitado. Alguns rios que outrora passavam sonhadoramente por nossas cidades hoje cumprem o sanitário dever de levar ao mar milhões de metros cúbicos de restos que o organismo humano despreza. Temos tecnologia para aproveitar os dejetos de aves, bovinos e porcinos, ovinos e muares, mas as fezes do homo sapiens ainda jazem sob os nossos pés ou misturadas com as águas recicladas rio abaixo. A Microsoft está patrocinando a construção de sanitários capazes de converter fezes e urina em fertilizante. O futuro da tecnologia está assegurado
Tudo somado, o visível e o invisível, conclui-se que o lixo em sua multifária variedade e inacreditável tamanho é um produto autossustentável, renovável, durável e abundante. É um potencial inesgotável mais que o petróleo para o futuro do crescimento da economia, da importação e exportação, dos investimentos públicos e privados e para um PIB mundial e nacional robusto e otimista.

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