segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

NOVA DITADURA



A nova ditadura econômica e administrativa instalada no país, como anexo do sistema invisível que rege o concerto mundial, tem novas armas. É tão perniciosa quanto a ditadura comandada por militares. Esta reprime a liberdade de pensar e agir pela mira das armas. Aquela reprime a liberdade de pensar e agir pela alienação com o disfarce da liberdade de escolher o menos ruim que os donos do poder oferecem. A nova ditadura tenta corromper o cérebro dos cidadãos.
A imposição da vontade, de decisões esparsas, mascaradas por planos e programas fluidos, flexíveis e sobrepostos, aparecem diante de nossos olhos como fatos consumados. Às vezes, é suficiente proclamar programas “para que a gente possa” dar um salto de boas intenções, mas sem determinação de executá-los. Talvez, a mais poderosa arma da nova ditadura seja a estatística semanal dos atos e fatos, das vitórias e das expectativas de acerto e êxito de todas as decisões. Números grandiosos e percentuais inócuos desfilam nos discursos, nas rádios e nas telas da televisão.
O chamado “núcleo duro” do poder pensa, estabelece, define, impõe critérios para determinar o que é bom para o poder, para legitimar o governo e, consequentemente, bom para o país e para a população amorfa. As palavras ganham novo tratamento, nova interpretação, com adjetivos surpreendentes e arrasadores. “Decisões de qualidade” para o êxito do planejamento estratégico. “Unidades pacificadoras” em vez de guerra civil entre grupos policiais e entre estes e a máfia intermediária do lucrativo comércio de dezenas de produtos contrabandeados, das drogas às armas, da prostituição aos assassinatos por encomenda.
“Mensalão e mensalinho” em vez de propina oficial que compra votos de parlamentares para apoiar decisões originadas do núcleo duro como gratificação pela submissão e escravidão política. Tudo  isto envolve “superávit primário”, “cambio flutuante”, “centro da meta da inflação” dentro ou fora da margem de erro, “crédito consignado” para provar que a economia está “robusta”. Esses jargões de linguagem, sabe-se, são de amplo domínio popular.
Se aparecerem pedras no caminho da inteligência do “núcleo duro” ou confusões contábeis e financeiras provocadas pela afoiteza dos máximos dirigentes, ameaçando a robustez da economia ou desmascarando-a, surge do nada uma “contabilidade criativa”, uma espécie de fantasia carnavalesca de travestis. A economia também precisa do samba dos doutrinadores doidos da política. O “caixa dois” que caracteriza a corrupção sutil do “fica melhor assim” recebe a alcunha de “recursos não contabilizados” de sobras de campanhas eleitorais. Dinheiro que comprou por antecipação a boa vontade dos futuros eleitos para os projetos milionários e bilionários de doadores desinteressados. Essas sobras de campanha compraram Deus e o Diabo. Nunca se sabe quem governará o mundo.
As “audiências públicas” funcionam como disfarces postiços, como arremedos de democracia, diálogo ou debate com a “sociedade organizada” e o conteúdo já vem com cartas marcadas. Sua função é legitimar pré-decisões que se transformarão em decisões ou já são fatos consumados. Em termos práticos, esses fatos consumados vão desde um viaduto inútil a cargo de uma empreiteira doadora, ao endividamento de aposentados ou aos supersalários de R$ 160.000 mensais para “aquecer” a economia. Da isenção de impostos para aquisição de carro para transporte individual, à escassez de investimentos em transporte público.
 Não importa que estejamos entre os últimos do mundo em educação e saúde pública. Temos que engolir os remédios que nos prescreve a economia robusta.
Desta ditadura, que une forças militares, democratas ortodoxos, esquerdas revisadas, sociedade organizada e povo abúlico, só nos esquecemos num estádio de futebol ou no sambódromo.
Os baianos, com bom sentido de humor, diante da hipotenusa política e do impossível concreto, deixam as ondas morrerem na praia e na Quarta-feira de Cinzas, começam os preparativos para o próximo carnaval.
E la nave va.

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