quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

O CRIME DO DIA SEGUINTE


Um argumento ardiloso isenta de possível punição malandragens, maracutaias e crimes cometidos por políticos, personalidades públicas e pessoas poderosas. Os fatos investigados ou a investigar sobre a conduta ilícita de um deputado, senador ou ministro podem escapar do olho da justiça por terem ocorrido na “legislatura passada”.
A nova eleição fabrica um homem novo, diferente e tem a virtude de apagar as transgressões do dia anterior. O Sr. Benedito Domingos, deputado distrital reeleito em 2010, é acusado de ter favorecido empresas de seus filhos e familiares em licitações para executar serviços públicos, isto é, com dinheiro público. Mas isto foi na legislatura passada. Não se nega o fato, nem o nepotismo, nem o favorecimento, nem a improbidade do deputado. Apenas enterra-se o cadáver por indigência moral.
O senador Gim Argelo, é acusado de receber uma quantia de dinheiro acima do razoável, de origem contaminada por propinas e negociatas. Mas essas transações foram realizadas antes de sua diplomação como senador da república em substituição ao senador renunciante Joaquim Roriz. Sua imoralidade foi absolvida com arquivamento do processo, pois o negócio milionário fora concretizado antes da diplomação. É igualmente um crime do dia anterior.
Esta moral tem a ver com a venda de indulgências praticada pela Igreja de Roma, no século XVI. Pagava-se em libras-ouro a absolvição do crime do dia anterior e comprava-se o perdão do ilícito previsto para o dia seguinte. O cristão daquela época e o político de hoje acumulam créditos no banco da safadeza e, assim, vão construindo a sociedade dos inocentes, dos intocáveis, dos sofros, sempre purificados pelo sacramento da justiça cega e com nariz de cera.
Se a moda pega, se estas táticas da justiça vingam, se as mentiras passam à categoria de verdades, estão salvos todos os manipuladores da coisa pública, do presidente do país ao varredor de rua. Só responderão em juízo os que forem investigados pelos crimes do dia seguinte. Os de ontem pertencem à “legislatura anterior”e foram cometidos antes da “diplomação”.

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