terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

O PEQUENO E O GRANDE



Tornei-me, atraído pelo encantamento da natureza e pelo funcionamento das leis físicas, um engenhoso construtor de barragens. Pequenas barragens. Reparto meu tempo de septuagenário em atividades diversas. Leitura, para conviver com amigos e amigas, de hoje e de ontem, que me falam diretamente ao pensamento. Literatura, para conviver comigo mesmo, no âmbito da consciência. Música e cinema, para não enferrujar a imaginação artística e criativa.
O tempo para as barragens faz parte da ginástica e do exercício físico e tem a ver com água. Água da chuva. Dá-me pena, diante da realidade desértica provocada pela mão descuidada das pessoas, ver as águas limpas da chuva enlamear-se e correrem desesperadas para qualquer lugar. Rolam pelo asfalto, arrastam lixo jogado no chão, contaminam rios e lagos. Onde estão as árvores, a vegetação rasteira, as várzeas verdes, os pântanos, os socavões para receber as águas da chuva.
Os desertos urbanos provocados por construções de edifícios e vias, os desertos agrícolas resultantes de desmatamento e queimadas, mudaram o leito natural das águas. Compreendi melhor o tamanho do desastre que estamos preparando para depois de amanhã quando adquiri um pedaço destruído de cerrado. Pensava fazer dele um refúgio para meu silêncio. As águas da chuva caíam, corriam desabaladamente montanha abaixo e sumiam enlameadas pelo Ribeirão das Lajes.
Lendo Os sertões, Euclides da Cunha me ensinou como desfazer desertos. Os romanos, há mais de três mil anos, já transformavam os desertos da Tunísia em campos de trigo. Construí a primeira barragem com pedras vulcânicas na cabeceira de uma grota. Uma pequena barragem. Na pancada de chuva que caiu, dias depois, guardou pouco mais de 100 litros de água. Por entre as pedras da barragem, filtrava-se a água, livre de terra e folhas que vinham com ela. Construí outras barragens, dezenas de barragens, concretadas com pedras, paus secos das queimadas e terra de cupim, ao longo das grotas, da nascente à foz. Uma barragem grande, como Itaipu, ou pequenas como as do meu Sítio das Neves, obedecem às mesmas leis físicas, requerem os mesmos cálculos matemáticos de engenharia. A velocidade, o peso, a altura variam e a barragem tem que se adequar ao local por onde flui a água. A dezena e o milhão são contados por unidades. As centenas de barragens que construí, no pedaço de cerrado que me abriga, detêm milhares de litros de água.
O pequeno multiplicado é maior do que o grande. Meu refúgio tornou-se repositório de águas límpidas. O cerrado transformou-se em floresta, em campo de flores e território livre para pássaros, serpentes, macacos, coatis, tamanduá-bandeira, felinos e outras espécies.
Se os funcionários do Ministério do Meio Ambiente, do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Agrário, do Ibama e do Ibram ouvissem a linguagem da natureza e a compreendessem, nossos bosques se multiplicariam, nossas águas não matariam. Nas madrugadas, despertaríamos com “as aves que aqui gorjeiam”.

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