segunda-feira, 8 de novembro de 2010

CARRO, DIREITO DO POBRE



Esse decreto foi emitido publicamente pelo presidente Luiz Inácio. Em sua filosofia sindicalista de que tudo tem que ser negociado, fundamenta-se em direitos.  Frente a frente, patrão e operário, capital e trabalho. Todo cidadão é igual perante a Constituição e as leis do país. É um princípio consagrado e indiscutível. O pobre não só tem o direito de ter carro. Acima de tudo, tem o direito de ser pobre e ser defendido e protegido como tal pelo poder público.
Quando se afirma que o pobre tem direito a comprar geladeira, máquina de lavar e carro, significa dizer que a pobreza é uma virtude invencível e indestrutível. Pode-se permanecer pobre. O importante é consumir. Não há carro nem máquina de lavar e, agora, casa de 32m2 que possam eliminar o direito de ser pobre. Nunca antes neste país se havia proclamado que a TV era direito do pobre. Os pobres exerceram esse direito há dezenas de anos e criaram uma floresta de antenas espinha-de-peixe sobre suas casas sem a chancela da autoridade pública.
Na classificação sociológica do presidente, auxiliar de sua comunicação habilidosa com as “massas”, há pobre com dinheiro e pobre sem dinheiro. O pobre com dinheiro tem direito a carro e, o sem dinheiro, a auxílio financeiro para comer três vezes ao dia. Compreende-se a boa intenção do presidente. Ele conseguiu emprego na indústria de automóveis, um dos pilares da economia brasileira. Ele sabe o valor do carro, não só em dinheiro como e, principalmente, em prestígio e autoestima. “Fulano já tem seu carrinho” é a sentença confirmadora do sonho mais alto do trabalhador. Não é propriamente a necessidade inadiável de ter carro e, sim, assegurar um lugar entre os privilegiados que compõem a academia dos vitoriosos.
Poucos como o presidente Luiz Inácio compreendem o prazer de estar nessa academia, permanecendo pobre. De presidente do sindicato passou a presidente da república. Do volante de seu carro chegou ao comando de um avião. Talvez se considere pobre, trabalhador e abençoado por Deus com duas ou três aposentadorias e indenizações merecidas. E, sem dúvida, quer isso para todos os pobres.
Mas, na vida real, em contraposição aos desejos honestos do presidente em sua maneira direta de falar ao cidadão, o automóvel nem sempre confere benefícios a seu dono. Josivan é pedreiro independente. O contrato de trabalho depende de sua habilidade, da qualidade do serviço, dos conhecimentos práticos que adquiriu e da capacidade de negociar o preço da mão de obra. A outra folha do contrato, a mais forte, está com o contratante. Josivan não completou o ensino fundamental. É casado. Tem três filhos, um aparelho de TV e som. Os serviços de saúde são os da conhecida rede pública de hospitais e postos locais. Paga aluguel, água e luz.
Recebeu, por uma obra executada, algum dinheiro e deu entrada na compra do primeiro carro de terceira ou quarta mão, na periferia do DF. Confiou em seu trabalho para pagar o restante da dívida. Não conseguiu licenciar o carro. Os gastos de oficina para satisfazer os requerimentos do Detran deixaram o carro na ilegalidade. Despejado por não poder pagar o aluguel, Josivan mudou-se para outra casa. Mas o direito de comprar automóvel soou novamente. Com o pagamento de um serviço e a perspectiva de outra empreita já acordada, adquiriu outro carro de terceira mão, uma vez que o anterior já fora vendido. Demoliu parte do muro da varanda da casa alugada e abrigou nela o sonho a que tem direito.
Em frente à casa, protegido da chuva, do vento e do sol, repousa, cuidadosamente encerado, o automóvel de Josivan. Não pode sair nele. Falta dinheiro para o combustível e o carburador entupido precisa reparo. A conta da luz está atrasada de dois meses, ameaçada de corte pela Companhia Energética de Brasília. Os aluguéis de três meses estão sendo protelados. A mulher do Josivan precisa do arroz e do feijão. O contratante, segundo Josivan, é mau pagador e o está “enrolando”.
Quem ousará negar ao pedreiro independente Josivan o direito a comprar um carro?

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