segunda-feira, 22 de novembro de 2010

SUPERPOPULAÇÃO E SUPERORGANIZAÇÃO

SUPERPOPULAÇÃO E SUPERORGANIZAÇÃO I

A superpopulação se defronta com distintos aspectos da organização social e as soluções para administrá-la são complexas. Desembocam, em última análise, numa medida drástica e constante de controle dos nascimentos. Um bebê implica em inúmeros cuidados, a começar com a necessária disponibilidade de 200 litros de água por dia. Por isso, o planejamento para racionalizar a expansão da população é decisão preventiva a fim de evitar os efeitos e os requerimentos da superpopulação.
Hoje, a superpopulação é um fato local, regional, nacional e mundial. Há projeções otimistas do ponto de vista estatístico porque a curva dos números percentuais é descendente ao longo de algumas décadas vindouras. Mas os números continuam a crescer mesmo que para os demógrafos os percentuais menores lhes dêem satisfação matemática. Há projeções pessimistas da superpopulação pelo singelo fato de que esses números respiram, são vivos, dotados de carne, osso e sentimentos. Esses números se movem no espaço e no tempo. É no espaço que se realiza a vida temporal. É com as múltiplas vidas espalhadas pelos espaços que se determina o tempo e se expressam os sentimentos desses números vivos.
É do espaço que se obtém o alimento, o ar, a água. É no espaço que se ergue a casa. É desse espaço que se eliminam ou retiram vidas para a sobrevivência das espécies. É nesse espaço que se processa a interdependência das espécies, na medida em que se salvaguarda a biodiversidade. É nesse espaço que se cria o ambiente favorável ou desfavorável para a reprodução da vida. Quando, nesse espaço, se limita a interdependência das espécies, se compromete a sobrevivência, se descontrola a reprodução e se obstrui a expressão dos sentimentos humanos, os sinais da superpopulação indicam situação de alarme.
A tendência da superpopulação é concentrar-se em espaços onde as condições de sobrevivência, ainda que ilusoriamente, se apresentam mais favoráveis. A incapacidade das instituições locais, regionais e nacionais de administrar a população e o desinteresse desta em assumir a liberdade de se conduzir levam à concentração em grandes cidades onde se alojam o poder, a autoridade, os altos negócios e os serviços básicos. Resulta, dessas megaconcentrações causadas pela superpopulação, a superorganização dominada por um poder central de onde partem as mais diversas e surpreendentes decisões. As necessidades próprias de cada grupo etário, de gênero, a diversidade de atividades econômicas, políticas, culturais e sociais, a mobilidade e o intercâmbio entre comunidades, centros de serviços e locais de trabalho criam uma rede intrincada de administração nem sempre adequada a atender equitativamente o universo da população.
O poder político, responsável pelo ordenamento e cumprimento das leis, se concentra, via de regra, em oligarquias dirigentes sustentadas pela força da organização econômica produtora de bens e serviços.



SUPERPOPULAÇÃO E SUPERORGANIZAÇÃO II

As metrópoles e as grandes cidades que a elas se assemelham são resultados da superpopulação expulsa de algum espaço. Ela requer a montagem de uma superorganização. As relações pessoais e o potencial de expressões individuais nas megalópoles  dão lugar aos obrigatórios contatos formais e burocráticos no cumprimento de contratos não assinados de prestação e uso de serviços.
Nem o lar, nem a rua, nem o banco da praça são lugares onde as pessoas podem dizer e mostrar que são humanas ou ousam tratar da condição humana. O carro novo, a tevê, o celular, a empregada doméstica, o roubo da joalheria, o material escolar das crianças, o precário atendimento no posto de saúde, o transporte público deficiente, o preço da carne, o desemprego ocupam os diálogos rápidos pressionados pela correria diária.
A última palavra é de desânimo e paciência. Mesmo sendo comuns as dificuldades, cada qual busca safar-se delas como pode, ainda que em prejuízo do outro ou passando por cima dele. Tem-se observado, ao longo décadas, tentativas e esforços para criar no bojo tumultuado das metrópoles, com o fim de humanizá-las, alguns quarteirões em comunidades solidárias. Os atuais condomínios fechados podiam ter esta função, não se tivessem transformado em guetos e prisões disfarçadas de proteção contra roubos, guardados por exércitos de vigilantes, controlando entradas e saídas de carros conduzidos por indivíduos que mal se conhecem.
A comunidade de pessoas completas, de carne, osso e sentimentos, incentiva os indivíduos a cooperarem em todos os aspectos da condição humana e não apenas a competir como executores de funções específicas. Há mais de cem anos, humanistas como Hilaire Belloc, Mortimer Adler, Dubreuil, Arthur Morgan, Baker Brownell, Marcel Barbu ou Pechkam, cada um em seu campo alertaram para a massificação do homem na grande cidade, na grande organização industrial e na superorganização da burocracia governamental. O Banco Mundial, o FMI, os bancos centrais, os polvos multinacionais, os cardeais da globalização, os defensores intransigentes do mercado invisível e ordenador de todas as decisões econômicas, os fanáticos do crescimento econômico e os adoradores do PIB apagaram todos esses esforços de construção de um mundo de pessoas e se entregaram à feira de consumo onde as mãos substituem a cabeça.
A superpopulação está dopada pela superorganização que antecipa grandiloquentes soluções antes mesmo de analisar os problemas. O cidadão que sofre as dificuldades mais surpreendentes do dia a dia se vê atropelado por decisões políticas, jurídicas, econômicas, sanitárias, sociais, comerciais e fiscais de resultados cada dia mais insatisfatórios.
As barreiras levantadas diante do cidadão são tão sólidas e intransponíveis que, aos poucos se acomodam aos ditames dessa escravidão política. A indiferença generalizada parece dizer: usem nossa liberdade, decidam por nós e deixem-nos em paz.



SUPERPOPULAÇÃO E SUPERORGANIZAÇÃO III

Dostoievski previu o caminho da insensatez e da abdicação da liberdade na organização da vida política e social da sociedade. Diz o Grande Inquisidor: “No fim, hão de depor a liberdade aos nossos pés e hão de dizer-nos: torna-nos teus escravos, mas alimenta-nos”. Aliocha Karamazov pergunta ao irmão se o Grande Inquisidor (presidente ou imperador) está falando ironicamente. Ivan responde: “Absolutamente nada! Ele reivindica como mérito para si próprio e para sua igreja (governo, império) o fato de ambos terem usurpado a liberdade dos súditos, e assim o fizeram para tornar felizes os homens”. E acrescenta o Grande Administrador: “Nada foi tão insuportável para um homem ou uma sociedade humana quanto a liberdade”.
Que fazer com a liberdade além de protestos, cartas de repúdio, baixo-assinados, queima de ônibus, passeata de alerta? O risco de perder a liberdade é deixar aos governantes decidirem o caminho de nossa felicidade. Deixar à propaganda da grande indústria e do alto negócio convencer-nos de que seremos felizes consumindo o que produzem e vendem. O risco de perder a liberdade, se já não a perdemos, é autorizar a superorganização a nos dizer todos os dias que deles depende nossa felicidade. O risco de perder a liberdade, se já não a perdemos, é aceitar que os novos educadores, escondidos atrás de sagazes aparatos eletrônicos, nos convençam sem dor de que é melhor amar a servidão, alimentada com pão e circo, do que assumir responsabilidades pessoais dedicando alguns momentos do dia a pensar. O risco de perder a liberdade é entregar-se à ditadura democrática de instituições elásticas dirigidas por prestidigitadores políticos acima de qualquer controle.

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