sexta-feira, 19 de novembro de 2010

PENSAMENTO ÚNICO



Ouvi, ontem, na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, análises de uma cientista política e de um jornalista sobre o resultado do segundo turno das eleições presidenciais do Brasil. Ambos, cada qual com seu conjunto de informações que comprovavam suas conclusões, se restringiram a peças do quebra-cabeças que eles mesmos montaram.
A cientista política tentou, poupando a inteligência, justificar o comportamento do governo Lula, o projeto do Partido dos Trabalhadores que o sustenta e os programas sociais cujo objetivo primordial é “governar a pobreza” e “eliminar minimamente a pobreza”. Não explicou o que significa governar a pobreza nem até onde vai o eliminar minimamente a pobreza. Esforçou-se por diferenciar dois sistemas antagônicos de governo: o da igualdade, representado pelos partidos alinhados à esquerda (PT, PMDB, PSB...); e o da liberdade econômica, sinônimo de liberalismo e Estado enxuto, defendido pelos débeis partidos de direita (PSDB, DEM).
Em nome da igualdade (conceito não definido) ou da redução das desigualdades, todos os programas de governo estão justificados, do Bolsa Família à aplicação do Enem como este é hoje. Para a cientista política, trata-se de inovações estratégicas do atual governo que precisam de aperfeiçoamento. Conseguiu distinguir o significado de cidadania para os defensores da liberdade e para os que propugnam a igualdade. Os da direita querem um cidadão competitivo para enfrentar as forças cegas do mercado. Os da esquerda conduzem o cidadão a obter seus direitos com políticas públicas amparadas com massivas doses de assistencialismo.
O pensamento único, contra o qual a sociedade se rebelou durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, volta com toda a força. Tudo o que está sendo proposto no atual governo está certo e é incontestável. Não há espaço para a crítica filosófica digna de um intelectual. A vitória da candidata imposta por Lula garante essa verdade absoluta.
O jornalista experiente limitou-se a arrolar fatos publicados na mídia para historiar a trajetória da indicação solitária da candidata da continuidade. Lembrou a estratégia de marketing, da propaganda oficial e do uso intensivo da máquina governamental e dos aparatos institucionais postos a serviço da candidata pelo presidente em exercício. Lula incentivou a criação em série de programas e projetos (PAC 1, 2, Minha Casa) que dessem visibilidade à candidata. Essa atitude destemperada do presidente, alimentada por sua alta popularidade, o levou a desrespeitar as leis eleitorais a ponto de lhe valerem, pela primeira vez na história eleitoral do país, multas pecuniárias impostas pelo Tribunal Superior Eleitoral, pagas por seu partido.
Nenhuma palavra, durante três horas, sobre democracia participativa, tendências do crescimento econômico depredador da biodiversidade e da interdependência ecológica das espécies vivas e modificações ambientais.
Nenhuma palavra sobre valores éticos, sociais, educativos e políticos, ficha limpa, impunidade e escândalos que atingem o coração do poder. Não ouvimos nada de novo porque a inteligência prospectiva foi poupada em benefício da exaltação da conquista do poder e da continuidade pragmática do governo vitorioso nas urnas que deixaram 30 milhões de eleitores sem opção e fora do processo eleitoral, além dos 44 milhões que se opuseram à candidata oficial.
Nenhum dos expositores ousou prever como será o próximo governo pelo simples fato de que “ainda não começou”. Assim, será mais fácil prever o passado do que prognosticar tendências para o futuro. Ouviremos chavões cotidianos sobre o direito de os pobres comprarem carro já que, pela primeira vez na história deste país, as elites não estão no poder. Ou de criar uma classe média abobada, incapaz de ler um livro por ano, mas feliz por poder consumir toda sorte de quinquilharias e encher a casa de produtos desnecessários que garantam o crescimento econômico e engordem o PIB.
Não é o cidadão que tem direitos constitucionais à educação igualitária, ao transporte público eficiente, limpo e confortável, à atenção médica preventiva, à participação consciente nas decisões políticas sobre prioridades nacionais. Joga-se com a emoção estimulada por todos os meios de propaganda acima e abaixo da consciência para dar lugar a esse conceito indecente de “eliminar minimamente a pobreza”.
O que se poderia esperar do novo governo é, em meio à turbulência administrativa de um país imenso e superpovoado, que se dê espaço não apenas aos números estatísticos, mas principalmente ao uso da inteligência para que o futuro de nossos filhos e netos seja vivido com mais fraternidade e solidariedade.

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