quarta-feira, 28 de julho de 2010

VELÓRIO ELEITORAL

Às vésperas de grandes decisões políticas sobre a escolha dos novos governantes, as mistificações e as promessas se multiplicam. Vive-se uma espécie de velório durante o qual se fala do morto e de tudo o que ele ainda podia ter feito e a grandeza do que fez. Evita-se falar do que não quis fazer.
Neste velório eleitoral também há herdeiros atentos e ansiosos do falecido. Em seu testamento, a pátria e toda a mobília, serviçais e equipamentos pertencerão aos sucessores. O espólio é grande e os interessados escolherão a parte que lhes cabe desse latifúndio lucrativo.
O morto não estará mais aqui para interferir no que farão com a casa e quais as negociações que os novos donos encaminharão aos interessados na possível compra do patrimônio.
Como nos testamentos deixados em vida em que todos ou quase todos parecem respeitar, o testamento eleitoral também está sendo acolhido por amigos, admiradores e defensores do falecido.
Os cartórios políticos, os comentaristas, os analistas, os institutos de pesquisa de opinião acordaram em transformar a pátria em propriedade privada de um único dono, cuja vontade também é única e imposta a todos os descendentes.
Durante o velório eleitoral só se discute, entre almoços, jantares e brindes, as únicas e últimas vontades do falecido. Há que se respeitar o defunto e suas vontades por medo da aparição de seu espírito contrariado.
Há os que contestam o testamento, alegando a combalida saúde mental do falecido acometido, durante longos anos, de enfermidade rara – megalomania encefálica e tendência à dipsomania − agravadas pela paranóia persecutória que o levou a associar-se às mais vis personalidades da república que, em outros tempos, as acusou de corruptas e criminosas. Nos estertores agônicos, na iminência do fim, passou a contestar as leis constitucionais, a insurgir-se contra as instituições tradicionais da república, a zombar das decisões dos tribunais e a mudar a data da descoberta deste país.
O testamento, porém, será mantido. Somos cidadãos de uma pátria dominada pela religião, pela superstição e pelo fetiche. Há que se respeitar os mortos. No velório eleitoral, do morto há que se lembrar apenas as virtudes. Os herdeiros, depois do enterro, esquecerão o falecido. Desfrutarão da casa-grande, da mobília e dos serviçais.

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