segunda-feira, 5 de julho de 2010

A TRAIÇÃO

Alguém me perguntou qual foi a maior traição política dos últimos oito anos. Você teria uma boa pista?
Quando me convidaram, há uns vinte anos, a uma reunião de bairro em que o orçamento do município era dito participativo, minha alma de cidadão vibrou intensamente.
O dinheiro arrecadado com a cobrança de impostos, taxas e multas dos cidadãos seria aplicado em prioridades decididas em debates de rua, bairros, sindicatos, cooperativas, ao lado de vereadores, secretários do governo municipal, presidentes de fundações e institutos, professores de escolas e universidades. As necessidades e interesses coletivos passavam por um crivo dos participantes, expressava-se a vontade popular, anotavam-se as prioridades para serem incluídas no plano de investimentos básicos.
A execução do orçamento, a aplicação do dinheiro em projetos conhecidos da população era fiscalizada por organismos populares, associações de defesa dos interesses dos cidadãos, representantes de partidos políticos, com o apoio da imprensa falada, escrita e televisada.
Era estimulante ouvir mulheres do povo, trabalhadores da construção, moradores de bairros distantes com dificuldade de transporte para ir ao trabalho, professores de escolas públicas, defensores de árvores, parques e jardins, jovens reclamando por praças de esporte. Em resumo, era a verdadeira participação popular nas decisões políticas da administração do dinheiro do povo.
Onde está, hoje, o estímulo à prática do orçamento participativo que fazia vibrar o interesse político e a organização da população?
Os criadores e incentivadores dessa prática inovadora e patriótica chegaram, por fim, ao governo do país e de alguns estados da federação. Começou a traição política. Deslumbrados pelo poder, esqueceram-se do orçamento participativo. Jogaram no lixo a ideia e a prática. Entregaram a uma única mão o poder de usar e abusar de nosso dinheiro. Onde foram parar os bilhões que o fisco recolheu com sabedoria, técnica e tenacidade? Em gastos pródigos da máquina estatal, avião privativo e cartão corporativo, nos bancos, na concessão generosa de créditos para consumo compulsivo, nas montadoras de automóveis, na farra das empreiteiras de obras faraônicas e na exploração imobiliária urbana, entre outros.
As inundações reincidentes, o deslizamento de morros e encostas, a devastação de cidades, o transbordamento de rios, a desertificação da Amazônia e do Cerrado são algumas das consequências do abandono da prática do orçamento participativo em âmbito nacional com critérios de precaução. Em falta dele, a mão generosa do único manipulador dos bilhões de dinheiro público, em nome próprio, socorre os governos estaduais displicentes e relapsos. Tudo continuará como antes.
A grita popular e seu direito à participação nas decisões políticas se diluem nas míseras cartas do leitor. Os cidadãos são conclamados, em nome da solidariedade nacional, a contribuir com toneladas de alimentos, metros cúbicos de água potável, colchões para abrigos improvisados e caixões para enterros.
A organização popular, a participação política dos cidadãos ficará à mercê do próximo Grande Irmão Lusseff que nos indicará o caminho da única felicidade possível, a que Ele está disposto a nos oferecer.

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