sexta-feira, 2 de julho de 2010

Comentários de um editor

Recebi de Carlos Appel, crítico literário e editor (Movimento, Porto Alegre), esta mensagem sobre meus escritos literários. Heliodora sairá pela editora Paulo Francis.

Acabei de ler, ontem à noite, teu novo romance Heliodora. Observo que tua ficção tem trazido à tona temas diferenciados, que passam pelos conflitos de um jovem em formação no seminário, com novas experiências em associações e junto a pessoas da periferia das cidades – onde se incluem os sindicatos, diferentes dos de hoje – como é o caso de O homem proibido, que cresceu muito ao ser reescrito.
Em nome do sangue narra um caso específico: o assassinato de um padre, mulato, num cinema em Passo Fundo. Junto aos preconceitos sexuais, religiosos e sociopolíticos, delineias os porões da igreja, seus meandros, o jogo do poder e a manutenção dos dogmas.
Mas estamos em novos tempos, o de Woodstock, o dos Beatles, o da pílula anticoncepcional, o da liberação sexual, o da Revolução de 68 na Europa, cujo epicentro é a França e cujo lema será “É proibido proibir”. Hoje já podemos entender o recado de tudo isso e que foi bem intuído pelo teu “homem proibido”. O mundo bipolar se decompôs, o multiculturalismo passou a ser a palavra para tentar explicar e entender os novos conflitos mundiais, o que se fez acompanhar pela implosão dos centros hegemônicos, como é o caso da Europa.
Tua análise dá forma e corpo ao conflito permanente entre o poder religioso e o secular, ainda que localizado no tempo e no espaço do papa João XIII, ou seja, na transição do mundo medieval para a Renascença, quando as teorias científicas de Copérnico, Galileu Galilei, Leonardo da Vinci e Comenius, entre tantos outros, começam a colocar em dúvida e atingir dogmas multisseculares da Igreja. A concepção que Leão XIII tinha dos pobres e seu papel no jogo do poder, também pode ser detectada, mesmo 500 anos depois, em Heliodora. Narras, de outro modo, as “vidas secas” de Graciliano Ramos, a dos pobres sem perspectiva nem remissão. As criaturas de Graciliano Ramos, quando muito, chegam a procurar a cidade, para onde levam os filhos, em busca de “lápis e caderno” para não permanecerem analfabetos e sobreviventes como os pais. Heliodora e Arcemiro, com a penca de filhos desnutridos e analfabetos lembrando um célebre quadro de retirantes de Portinari, são os novos expulsos do sertão nordestino. Desta vez, vão mais longe e chegam às margens de Brasília. Serão os calangos. Ali conseguem ver de perto, como é o caso de Heliodora, aqueles que, com o seu mísero trabalho, eles ajudam a enriquecer. São seres que vivem à espreita, agonistas da História.
Isso, quanto ao tema. O que, no entanto, importa muito em Heliodora, é teu distanciamento crítico das questões éticas e sociais, e o nível de linguagem que sustenta e dá vigor à narrativa.
Heliodora é um sopro de vida na atual literatura brasileira.

Com um abraço do
Carlos Appel

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