segunda-feira, 19 de abril de 2010

SABEDORIA, O QUE É?

Do fracassado voo de Ícaro, da confusa construção da Torre de Babel ao naufrágio do Titanic, a caminhada do homem está sempre confiante em sua astúcia de superar dificuldades por meio de artifícios tecnológicos. Mais recentemente, o mundo ouviu o grito: sim, nós podemos.
O homem fabricante − homo faber −orgulha-se e aplaude-se de ter vencido a força da gravidade e pousado na Lua. Ufana-se de voar a pontos distantes em poucas horas. Envia mensagens em segundos e mostra simultaneamente em todos os cantos do globo uma partida de futebol ou um desastre aéreo.
Sua engenhosidade parece ilimitada. O mesmo aço que produz a enxada e o trator serve para o fuzil ou o tanque de guerra. O urânio que assegura energia pode compor a bomba ameaçadora da paz e da vida no planeta.
O planeta Terra fornece um cardápio inesgotável de oportunidades à felicidade material: das águas dos rios represados às florestas que ocultam os segredos da natureza.
Da tecnologia à sabedoria, porém, há uma distância que inibe as conquistas do homo sapiens. Dos artefatos da destruição das cidades, culturas e civilizações ao armistício de convivência e paz, o caminho é longo e tortuoso. Fabricar aviões supersônicos e telefones celulares estimula mais o homo faber do que o homo sapiens na lenta construção de relações políticas e humanas. Passa-se mais orgulhosamente da matéria prima à utilidade mecânica do que da realidade concreta à imagem literária, artística e estética.
A arrogância racional, no entanto, se desfaz diante da força desconhecida do universo. A erupção de lava incandescente ejetada das profundezas do planeta paralisa e silencia o tumulto tecnológico da humanidade.
Incorrigível, o homo faber se sobrepõe ao homo sapiens. Confia irremediavelmente em que sua astucia tecnológica vencerá no momento oportuno. Não importa o crescimento da miséria de milhões de pessoas. Para elas há sobras, restos a pagar e migalhas a comer. Não importa o analfabetismo de milhões e sua ignorância crônica. A eles se reservam artefatos eletrônicos que só requerem o aperto de botões. Não importa que se esqueça ou se erre o botão. Haverá sempre um botão suplementar salvador e, em seguida, uma justificativa burocrática. Não importa o número de soterrados num deslizamento de montanha por negligencia administrativa. Haverá modernas retroescavadeiras e bombeiros heróicos para desenterrar cadáveres, enxugar lágrimas e propiciar um sepultamento digno.
Está longe ainda o ponto ômega em que o agir humano se sobreponha ao fazer utilitário garantindo a soberania do homo sapiens sobre o homo faber. Ou o desejado e utópico equilíbrio entre o fazer e o saber.

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