quarta-feira, 5 de agosto de 2009

O CONTO DA INSEGURANÇA

− Não temos segurança nenhuma!
− Segurança não existe! Polícia e segurança não combinam.
− A cidade está cada dia mais insegura, roubos e assaltos contados por minuto.
− Mas existe uma Lei de Segurança Nacional.
− Essa foi feita na guerra contra os comunistas que, hoje, aderiram aos postos comissionados do governo para cuidar do PIB ou se terceirizaram no Congresso Nacional.
Os quatro amigos discutiam, à mesa do bar, sobre a segurança e a insegurança em casa, na cidade, no país.
− De que segurança ou insegurança se fala? Sair de casa sem ser roubado? Ou sem ser morto?
− Olha só, a velhinha foi roubada na rua. O apartamento de meu vizinho foi arrombado em pleno dia. O Wilson foi posto no porta-malas e levaram o carro junto. Aqueles namorados foram mortos no estacionamento público.
− E tem aquele caso do índio Galdino. O índio dormia no chão, se achava tão seguro quanto na selva e veio ser queimado em Brasília por três garotões que têm dinheiro, escola e roupa lavada. Qual era a segurança do índio?
− E os meninos que dormiam no coreto da quadra, assassinados por um funcionário do Banco Central...Pai de família...pô.
− No Rio de Janeiro e São Paulo, morre menino, moça, mulher grávida, no tiroteio de todos os dias. Morre policial, morre traficante, morre quem está na trajetória da bala sem saber por quê.
− Mas, ali, é guerra declarada. É o morro contra a planície. E, na guerra, morre quem está na zona de conflito. Na guerra não se fala em segurança, você sabe disto. Ou se esconde, ou foge ou morre.
− É verdade. Numa situação de guerra a insegurança é geral. E os envolvidos são especialistas no assunto. Sabem que é para matar e sabem o que defender: o patrimônio. As pessoas, se sobreviverem, vêm depois.
− Você disse bem: o patrimônio. Não conheço nenhum caso de roubo em que levassem a casa, transferissem para si a escritura do apartamento, de invasores que subtraíssem a fazenda, a indústria de sabão ou a fábrica de automóvel. O que está lá dentro é que importa. As jóias, os dólares, as pinturas famosas, a carga do caminhão, o automóvel, nada disto tem segurança.
− Por isso existe o seguro contra roubo do patrimônio, para repor o valor estimado e refazê-lo. O importante é assegurar o patrimônio. É o que fazem os vigias de prédios residenciais.
− Existe também o seguro de vida, mais precisamente um seguro de morte ou de doença para repor a saúde. O seguro de vida é uma ilusão. Em caso de morte do segurado, a vitima nada leva, nem o caixão. Às vezes, os herdeiros do seguro nem perderam o patrimônio do segurado. O seguro pago aos vivos serve para aumentar o patrimônio por conta do morto.
− O direto de propriedade, então, não vale nada ou é um direito sem segurança. O traficante também defende a droga que comprou, custou dinheiro. Com a venda do produto ajuda a mãe. Compra casa, automóvel e, principalmente, o poder. O traficante defende seu patrimônio, a droga, o poder da droga e a clientela que exige e paga um bom preço.
− Em economia, o mercado é quem manda. E ele está no mercado. Se há demanda, há oferta. Você não verá a Tropa de Elite cercar um prédio da Zona Sul do Rio, com tanque e helicóptero para prender os figurões, os financiadores da droga e do armamento, os cabeças invisíveis da demanda.
− Esses é que estão em segurança. Só cai na rede o consumidor viciado, o intermediário pequeno, a mula-mansa que é para enfeitar o cenário policial e mostrar sua eficiência na esquina escura da guerra. Depois, você fica sabendo que uns policiais extorquiram metade da fortuna do traficante preso.
− Ai você entrou num terreno delicado. Tem uma parte sendo protegida pela força pública do Estado e, outra, enquadrada nos artigos da lei. Nessa guerra, o Estado está protegendo o patrimônio de um lado só.
− É que o governo pensa que, destruindo a oferta, acaba com a demanda. Acontece que em economia, quem está do lado da demanda é quem a controla e precisa sobreviver. O mundo se divide em indústria e comércio, seja de sapato, droga ou armas. Um produz para o outro consumir. E, agora, até o governo manda consumir mais para produzir mais.
− Os fabricantes de armas têm interesse nessa guerra. Eles fornecem armamento para os dois lados. Ali também funciona a lei da oferta e da procura.
− Mas falando em patrimônio, qual é o patrimônio que o Estado defende com as forças de segurança: exército, polícias militares, polícias civis, além dos exércitos privados de segurança?
No meio da conversa animada dos amigos, houve um tumulto no bar, correria, gritaria e alguns tiros. Ouviram-se gritos: “é um assalto”, “estão assaltando o restaurante”. Um jovem havia sido morto por outro e estava caído entre as mesas. Depois se soube que se tratava de um estudante de administração e o assassino cursava a mesma universidade. O patrimônio, nesse caso, era uma das namoradas. A polícia chegou, interpelou o segurança do bar, denominado “apoio ao cliente”, fez as diligências legais e a ambulância levou o cadáver.
− Você vê, ainda se mata por ciúme.
− E essa moda de matar os pais? Ou é o filho drogado que precisa dos emolumentos para pagar o fornecedor, ou o namorado se alia à namorada para liquidar os pais da moça.
− Pô, nem os pais têm segurança dentro de casa, nem a mulher, nem o marido, nem os filhos.
− Agora, uma coisa é diabólica e incompreensível. Toda semana se descobrem roubos milionários nos ministérios, nos bancos, em assaltos à mão armada ou por vias eletrônicas. É o patrimônio público que se vai por falta de fiscalização. E quando a polícia prende, quem é que está metido com a ladroagem e os assassinatos? Criminosos comuns, delegados, policiais da ativa, ex-policiais graduados. Ai você não sabe quem comanda a segurança e a insegurança.
− E tem mais. Se a banda boa da polícia prende, fundamentada nos incisos da lei, vem o Ministro do Supremo com base na mesma lei e manda soltar, e o Ministro da Justiça defende os dois lados, pondo panos quentes na imprensa e todo mundo parece acreditar.
− Todo mundo engole, esperando o próximo capítulo da comédia cotidiana, porque é uma comédia.
− Confesso a vocês que sinto asco, nojo e desprezo quando essas altas autoridades nos tomam por idiotas e mentecaptos.
− É tudo um jogo de poder e autoridade. É a técnica dos pichadores: quem consegue pichar mais alto e em lugares mais difíceis, num momento em que ninguém vê.
− O poder funciona assim porque se alguém quisesse puxar a ponta do novelo encontraria a traça que roi a linha, escondida lá dentro.
− Você quer dizer que tem muita gente de rabo preso.
Já era tarde. Iam pedir a conta ao garçom.
− E então, quem é que vai resolver o problema da segurança ou da insegurança?
− Ninguém. O buraco é mais embaixo. Enquanto isso, a raposa toma conta do galinheiro e leva comida para as raposinhas.
− Olha, penso que a segurança tem a ver com a corrupção e a impunidade. Tudo corre solto. Parece que ninguém tem medo da lei e da justiça. A imprensa faz um barulho desgraçado durante alguns dias, a TV mostra o cidadão levado preso, os milhões de reais escondidos na casa de um político, na maleta de viagem, numa ilha fiscal e até na cueca de um deputado. Na semana seguinte, aparece outro crime mais cabeludo e abafa o anterior. Enquanto isso, dezenas de assaltos, sequestros, arrombamentos, roubos de automóveis, farmácias, joalherias, padarias, postos de gasolina fazem o recheio da insegurança.
− É a criatividade da sobrevivência. Há muita gente, a população é grande demais. Não há lugar para todo o mundo. Não dá para controlar.
− E olhem bem. Um grande número desses assaltos, roubos, arrombamentos, assassinatos não é praticado por desempregados. É gente que tem dinheiro, bem estabelecida, alto funcionário e com boa educação, desde a creche até a universidade.
− Falando francamente, é uma minoria que atormenta a sociedade e produz essa sensação de insegurança. Se você compara o número de presos no país – 400 mil − com o número de policiais, vigilantes, delegados, investigadores, promotores, juizes, fiscais, armados e desarmados, a quantidade de viaturas e motos, radares, câmeras fotográficas, helicópteros, aviões tripulados e não-tripulados, dá para perceber porque eu dizia que o buraco é mais embaixo. Há gente demais para cuidar da insegurança.
− É que essa minoria é experta. Ela tem o instinto da organização e a inteligência da surpresa. E, além disso, ela se junta com uma parte dos encarregados da ordem e da segurança. Essa minoria conhece a alma deles e sabe o ponto fraco.
− A diferença de comportamento da minoria que põe em pânico a sociedade é que seus componentes, ao contrário das forças de segurança, se dispõem ao risco de dar errado e estão ali para levar ou morrer.
− É o que você diz: é uma guerra. E guerra tem dois lados: matar e morrer. Só que, nessa guerra, general não morre, nem Fernandinhos nem Marcolas.
− Bom, vambora, que é nesta hora que a minoria ataca o patrimônio.

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