quarta-feira, 12 de agosto de 2009

VALORES NOVOS

Os políticos, os administradores da coisa pública e os senhores da economia, do lucro, do luxo e do bem estar estatístico vão criando valores novos. Analisam as tendências do consumo, as demandas de uma população que se expande fora de controle em busca do melhor lugar para morar e fazem propostas. Vão na onda linear do consumo, arrancam dinheiro do imposto, das multas autoritárias, das restrições e sacrifícios do povo e o convencem de que é para seu bem, conforto, progresso e modernidade.
Urbanizar intensamente a cidade para atender à pressão de construtoras e ao crescimento da população, ampliar vias para dar passagem aos automóveis são valores novos que arrastam todos os outros. Vamos à W-3, antiga rua do comércio de Brasília. Por ali passará o VLT – Veículo leve sobre trilhos. As centenas de árvores que sombreiam a avenida serão arrancadas, espicaçadas para carvão. Cada árvore é composta ou contém ao redor de 700 litros de água. Essa água invisível está ali diariamente e cumpre sua função de absorver o dióxido de carbono e produzir oxigênio. Umedece o ar e controla o aquecimento produzido pelo asfalto, construções, pessoas e pelo calor de milhares de veículos que diariamente rodam por ali. Estão retirando da W-3, digamos, 100 árvores, ou seja, 70 mil litros de água por dia, ou 70 m3. Água que abasteceria 350 pessoas por dia.
Os planejadores e administradores urbanos apontam soluções lineares, atendendo demandas lineares. Um milhão de carros trafegando no Distrito Federal equivale à ocupação de 6 milhões de metros quadrados de espaço absoluto ou 6 km2, ou 600 hectares. São dimensões a que não se dá valor por falta de aritmética geográfica. E quando Brasília for invadida por 2 milhões de carros? Aprendemos a dar valor à máquina e nos submeter a seus caprichos. Ela é nossa propriedade, patrimônio e pedestal de status. O homem que a governa se obriga a dar-lhe o que ela exige. O homem que fazia história, tornou-se escravo da máquina. A história é feita de alta tecnologia.
No lugar das árvores, isto é, em vez de água, correrá por ali um veículo aquecido, sem eliminar o fluxo de milhares de automóveis e ônibus em altas temperaturas repletos de passageiros que respirarão e aquecerão o ambiente,. Que se fará para substituir a sombra, a umidade e o oxigênio produzidos pelas árvores de hoje, na W-3? Ninguém sabe. Os valores que se extraem da vida natural e orgânica, da comezinha lei da saúde corporal e mental estão sendo substituídos pela fluidez do tráfego, pela imposição da máquina que a estultícia do consumo põe no lugar das pessoas. As coisas das pessoas no lugar delas. Onde pôr os automóveis? Onde pôr os edifícios? São perguntas que orientam os políticos erráticos e os administradores presos a compromisso de construtoras, engenheiros e arquitetos cooptados pelos novos valores do crescimento ordenado da cidade. Onde pôr as pessoas? Em que ambiente e em que circunstâncias de saúde e convivência é mais digno e estimulante assentar o cidadão?
Que acarreta essa inversão das importâncias. Duas situações: maior velocidade dos carros e, não é certo, melhor locomoção de gente com um pouco mais de conforto e, junto a essa ilusão de melhora técnica e modernização, ganha-se uma avenida deserta, lotada de ônibus, veículo sobre trilhos, carros levando um único passageiro, sem árvores, o ar seco, fumaça irritante, ruído, assaltos, roubos, mendicância.
Políticos e administradores de Brasília, assessorados por construtoras, empreiteiras, incorporadoras, engenheiros de trânsito e arquitetos a soldo pensam em linha reta e resolvem os cruzamentos do futuro com semáforos e viadutos.

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