quarta-feira, 5 de agosto de 2009

DOMINADOR E DOMINADO

Vivemos numa época da história humana em que mais nitidamente a economia, o progresso, a tecnologia, empurrados pelas estatísticas, dividem a humanidade em dois grupos. Os que têm dinheiro e compram o sapato da última moda junto com a consciência do trabalhador, e os que buscam dinheiro para comer o prato do dia.
Escrevi a Pedro de Montemor sobre o mistério humano da dominação de pessoas sobre pessoas. Gosto de compreender os meandros da alma humana. Uns dominam e outros aceitam a dominação como se esses dois elementos acionassem a engrenagem da mesma máquina. Será apenas uma questão de estrutura do funcionamento das relações entre humanos, como dizem os analistas sociais? E aquele bem precioso que se denomina liberdade de pensar e de querer se reparte também em dois movimentos? Um conduz o poder e manobra a autoridade, outro move a submissão, a obediência, o conformismo e, por fim, a aceitação desta trituradora engrenagem?
Na troca de cartas, Pedro de Montemor fez-me reflexões sobre os limites do poder, da força, da importância e da necessidade no exercício da liberdade que move as pessoas. Para os que giram o eixo do poder – político ou econômico − a engrenagem da máquina social está previamente concebida e nasce da luta evolutiva pela sobrevivência das espécies mais fortes. As mais fracas sempre existirão alimentadas pelas mais fortes para melhor servi-las quando e como as dominadoras quiserem ou necessitarem.
É esse o sentimento e essa a convicção dos empresários da indústria e do comércio quando exaltam os êxitos do crescimento econômico sob os holofotes de índices estatísticos. São eles que deram aos trabalhadores tudo o que têm: o trabalho e o salário, a casa onde moram, o financiamento da geladeira e do carro, a escola das crianças e a universidade dos futuros administradores do país. São eles que enchem a barriga do povo sem encher-lhe o bolso. Há que se guardar a necessária e suficiente proporção entre o tamanho da barriga e odo bolso. E os donos do capital sabem as razões desse insidioso equilíbrio.
As chamadas políticas sociais dirigidas a pobres e miseráveis são o complemento e a lubrificação da engrenagem. Os beneficiários podem sentir e querer como lhes pareça melhor sem, contudo, alterar a forma e o mecanismo da engrenagem. A estatística, deliberadamente aperfeiçoada e manipulada por mãos invisíveis e cérebros eletrônicos, mostra com índices indiscutíveis a eficiência do mecanismo e sugere os cuidados com a lubrificação ou a possível troca de peças em casos especiais.
Quando uma sociedade consegue o equilíbrio entre o poder dominador e o poder dominado, entre o bolso de uns e a barriga da maioria, a deterioração da inteligência, a ruptura da razão e a aceitação da submissão parecem conviver na letargia da consciência social. As desigualdades se instalam e se consolidam para que a engrenagem funcione. Esse conúbio teratológico produz silenciosamente um sentimento de temor generalizado pelo rompimento súbito da estrutura. Mas os operadores da máquina têm ferramentas adequadas para restabelecer o equilíbrio ameaçado por aqueles que buscam o dinheiro que lhes falta no bolso e sobra na ilhas fiscais.
O ponto mais difícil e delicado, concluiu Pedro de Montemor, é perceber quando o ovo apodrece por dentro, mantendo a forma exterior intacta e criando a ilusão de um mecanismo perfeito para o surgimento da vida anunciada.
As estruturas apodrecem por dentro do palácio, enquanto os acólitos do poder pintam as fachadas de cores extasiantes, protegem as entradas com a guarda imperial e sorridentes recepcionistas encaminham os visitantes às salas permitidas, ricamente mobiliadas.

Um comentário:

Veri disse...

Excelente colocação!