segunda-feira, 13 de abril de 2009

AS DUAS BRASÍLIAS

− Em qual das Brasílias mora seu espírito e em qual delas seu corpo gosta de estar?
Pedro de Montemor acompanhou o debate dos arquitetos diante do obelisco imaginário do centenário Niemeyer. Comoveu-se com o bom senso de parte dos brasilienses e escreveu-me. Minha carta-resposta foi longa como a dele, escrita a mão.
− Continuo morando na Brasília de meus sonhos, a mesma que conheci em 1966. Guardo a impressão de ser um nômade no deserto semeado de oásis monumentais, eloquentes, hospitaleiros. Perdia-me pela Esplanada a perguntar-me para onde teriam ido os pequizeiros e as aroeiras que floresciam por aqui.
Sempre morei à beira da L-2 e, dali, via um campo com árvores retorcidas, de folhas gordas e cascas grossas. Passava entre elas em direção ao Lago estendido por trás das poucas embaixadas de então. Hoje, alguns monstros da arquitetura trivial me espantam e desgostam.
Via-se, naqueles tempos, pouca gente nas ruas como se o cidadão fosse proibido de andar por sua cidade. Os poucos carros deixavam, à noite, as avenidas desertas. É nessa Brasília que ainda moro, meu caro amigo.
A outra Brasília que me obriga a expor meu corpo não se conforma à que tenho na mente e na memória. Na Brasília dos sonhos, da fantasia, da utopia, unia-nos a singeleza da arte, o silêncio monumental do Planalto, a rudeza aparente do Cerrado, verde, seco, vermelho, poeirento, dependendo da época. Parte do Brasil selvagem e selvático advertia o cidadão a retornar às origens e prospectar o futuro. Continuo a morar nessa primeira e primitiva cidade.
Não me encanto com os golpes enfurecidos do progresso a que submetem Brasília. Sou anti-pós-moderno. Brasília nasceu moderna e não precisa modernizar. Ela é um monumento artístico e arquitetônico tombado para viver na história. Os que a degradam com a adaptação da cidade à superpopulação e à invasão do automóvel atropelaram a própria mente e enterram dia a dia o sonho de uma cidade-parque.
É o cidadão e todos os seus equipamentos que devem modernizar-se e adaptar-se à cidade. Vivo na Brasília das árvores milenares testemunhas da velhice da Terra.
A outra Brasília, a das empreiteiras, dos viadutos, dos estacionamentos, do mau gosto, dos puxadinhos, da esculhambação arquitetônica, das negociatas, dos compromissos e barganhas, merece de mim desprezo e um silêncio socrático.

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