quarta-feira, 1 de abril de 2020

CARTAS DA PRISÃO - CASA E CAVERNA


CARTAS DA PRISÃO

Amigos, a casa, desde as cavernas de nossos primos neandertais, é o lugar para se proteger das feras. Hoje, do vírus invisível. Saio de casa por extrema necessidade para ver as ruas solitárias e desertas. As árvores estão serenas e felizes, rodeadas de silêncio e livres dos gases tóxicos dos carros. Saio duas vezes por semana, por extrema necessidade de ver o Sol do outono correndo pelo céu azul de Brasília. Por extrema necessidade, saio à noite para ouvir estrelas e falar com Aldebarã. Saio por extrema necessidade para estar entre as árvores e pôr os pés no riacho cristalino do Sítio das Neves. As árvores falam. As águas cantam. São minha extrema necessidade. Em casa, na companhia de Hilkka, acompanho o rodar silencioso do planeta, aliviado da insaciável ganância humana. Nos longos dias, do quarto à sala e à cozinha, converso amigavelmente com o predador invisível. Sei que anda por perto. Sinto-me um cabritinho inexperiente observado pelo chacal faminto. Estar vivo é um milagre.