terça-feira, 26 de julho de 2011

CONVERSA DE MORDOMO

– Senhor Xavier, Gugu está delgado, fininho. Não será falta de comida?
Gugu é um cão Pinscher miniatura. Valente, esperto, atento, late a qualquer ruído, separa com autoridade as brigas de galos por questões de ciúme. Gugu sabe a que horas se fazem as refeições do pessoal do Sítio e está ao pé deles nas duas casas em momentos distintos.
– Não falta não, senhor. Ele quase não come. Sirvo a comida para ele e as galinhas é que comem. Ele treme é de frio.
O senhor Xavier é o caseiro do Sítio, mas tem vocação para mordomo. Educado, respeitoso e, ao mesmo tempo, astuto e interesseiro. Tosse antes de se aproximar de minha casa ou assovia. Acompanha os movimentos de longe, disfarçando desatenção.
Gugu seguiu nossa conversa, procurando saber de que lado tiraria vantagem, se de seu dono ou do senhorio. Olhou para mim quando lhe perguntei: “É verdade, Gugu? Você quase não come”? Se pudesse falar, ele teria me dito que o senhor Xavier não tinha razão. Gugu sabe, por faro canino, que na minha casa há coisas diferentes para comer. Como entendeu que eu disse ao mordomo “vamos almoçar” é um segredo dele, do Gugu. Faz parte da inteligência intuitiva do animal. O tom da voz, a hora, a rota das pessoas, uma para cá, outra para lá. Gugu não se engana.
Fui preparar meu almoço. Estou sozinho no paraíso, nesses dias, e Gugu foi comigo sem eu o convidar. Sentei à mesa. Gugu sentou educadamente a uma distância conveniente. Disfarçava suas olhadas ao garfo que ia do prato à boca. Não gostou da aproximação de uma choca com dois pintos e veio sentar mais próximo de mim. Gugu sabe que os pintos ganham pão esfarelado sempre que aparecem na varanda.
– Gugu, Xavier disse que você não come. Que você é fininho de raça e treme de frio.
Dei-lhe um pedaço de pão embebido no molho de carne. Em duas mastigadas o pão desapareceu. Olhou para o chão e para mim.
– Ué! Xavier disse que Gugu não come.
Cortei uns pedaços das linguiças de frango que compunham meu prato forte, acompanhadas de rúcula e alface. Dei um deles ao Gugu. Engoliu-o e olhou para mim com focinho agradecido e reafirmando que Xavier diz qualquer coisa sobre ele, o fininho.
Decidi repartir meu prato forte com Gugu. Intercalava pão e linguiça. Quando era a vez do pão, Gugu cheirava, revirava, duvidava. Logo compreendeu que depois do pão viria a linguiça e, meio a contragosto, comia o pão na esperança de mais carne.
Acabou a linguiça no meu prato. Metade para mim e outra para Gugu.
– Gugu, Xavier disse que você não come.
Meu mordomo, apesar de quilos de carne congelada no freezer para os cães, ainda não se livrou do trauma da fome da infância sofrido na Paraíba e teme pelo dia seguinte.
Gugu nasceu na época da fartura e não compreende esse racionamento sem sentido imposto pelo mordomo. Gugu leva uma vida de cão.

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