terça-feira, 5 de janeiro de 2010

LULA o homem do ano

Grande parte da esquerda brasileira, antes socialista-reformista-revolucionária, apoiada massivamente pela direita capitalista-tradicional-tecnocrática, afirma que o país está no caminho certo. O mesmo caminho que, há menos de oito anos, segundo a esquerda leninista de mercado estava errado.
Le Monde acaba de outorgar o prêmio de homem do ano a Lula graças a sua bandeira contra a fome e a pobreza e aos possíveis 36 aviões Rafale em adiantada negociação. Escrevi uma dezena de críticas ao Lula de hoje. Votei nele nas eleições de 2002, para o primeiro mandato, confiante que as prioridades mencionadas fossem eficazmente atacadas. Logo nos primeiros meses de governo percebi o engano, confirmado depois por um conjunto coeso de mentiras.
Disponho-me, passados sete anos de capitalismo petista, a compreender sua astúcia de sindicalista para enfrentar o enorme país e a imensa população que lhe coube administrar. Uma das frentes de batalha governamental é, sem dúvida, a desigualdade social, econômica e política da população brasileira que cresce mais velozmente do que a capacidade de administrá-la.
A meta política do PT é de permanecer 20 anos no poder. A proposta socialista de democratizar os meios de produção, distribuindo mais igualitariamente as oportunidades empreendedoras e de trabalho foi logo abandonada. O associativismo e o cooperativismo inovadores para indústrias regionais, agroindústrias rurais em apoio à reforma agrária, bancos cooperativos, cooperativas centrais de distribuição de bens, organizações populares de controle de prestação de serviços públicos, tudo foi entregue à livre iniciativa do mercado.
As promessas de campanha que visavam a dar três refeições diárias a todos os brasileiros abaixo da linha de pobreza, com algumas malandragens próprias de nosso povo, foram cumpridas satisfatoriamente. No campo da educação básica e da saúde o país continua atrasado. As escolas particulares consolidam a discriminação de oportunidades e as seguradoras de saúde depredam seus segurados. O povão enfrenta homéricas filas em hospitais, todos os dias, desde a madrugada, e as soluções chegam tarde. A população é grande demais para as capacidades administrativas do mercado.
Compreendo que Lula, pessoalmente, decidiu pelo capitalismo de mercado que o tirou da pobreza nordestina e o transformou em trabalhador paulistano bem remunerado. Ele é grato às montadoras de automóveis. Por isso, se propôs a preservar as instituições que asseguram a livre iniciativa no intuito de vencer as desigualdades sociais, sem inquietar-se com a cumulação sem precedentes nas mãos de banqueiros. Como vendedor ambulante, estimulou a indústria pela via do consumo, amparado com incentivos fiscais e crédito farto. Compreendo o fascínio de perseguir números altos que indiquem a tresloucada corrida do PIB, do crescimento econômico sem limites, sem atentar para a ocupação trágica do campo e das cidades pela população que aumenta muito além da capacidade de administrá-la. Compatibilizou sua intenção e ação de olhar para os famintos e pobres de forma cristã e coerente com o novo modelo de poder absoluto e personalizado, tirando parte dos impostos para distribuí-los a 60 milhões de cidadãos, marginais do progresso nacional, mas satisfeitos com o mais que nada. Levou pobres ao mercado de consumo, não a bibliotecas ou escolas públicas de qualidade. Satisfez astutamente os de cima e os de baixo.
Compreendo que o socialismo e a democracia participativa de oportunidades não lhe teriam dado 80% de aprovação porque as instituições democráticas de mercado estariam ameaçadas. Os 20% que propõem medidas diferentes para diminuir com maior eficácia os vários aspectos da desigualdade entre os cidadãos brasileiros são apenas um detalhe estatístico. A maioria está de joelhos aos pés do mercado.
Compreendo que, hoje, o mundo se inclina diante de Lula. Soube, como diz Mailson da Nóbrega, preservar as instituições capitalistas de mercado com retórica adequada aos ouvidos populares. Vencer as desigualdades sociais e culturais que afetam mais de 100 milhões de cidadãos brasileiros será uma tarefa de longo prazo e dependerá da boa vontade econômica do mercado consumista.

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