quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

LEIS COLETIVAS

Que significa para o cidadão brasileiro esse feixe de conceitos, determinações, deveres e obrigações amarrado com artigos, cláusulas e parágrafos chamado lei? O significado semântico indicava para os romanos uma coleção de comportamentos traduzidos em forma didática e orientadora que ordenavam a convivência política do cidadão.
As relações pessoais, as relações de subordinação às autoridades, as relações de propriedade individual e da res pública foram ordenadas e expressas do Direito Romano. As leis, portanto, nascem de comportamentos e atitudes individuais ou de grupos e, pela sua justeza, se destinam a harmonizar as relações humanas. O cumprimento das leis honra e premia o cidadão. O descumprimento o pune.
A aplicação virtual da lei se processa na consciência do cidadão por maio do conhecimento, do discernimento e da aceitação das normas universais e dos conceitos que elas expressam. A aplicação prática da lei, pelo descaso ou agressão às normas, depende de juízes e executores. A consciência do cidadão toma medidas preventivas para a saudável observância das leis. Os juízes e executores policiais lançam mão de sentenças punitivas e curativas da inobservância dos preceitos. Sem medidas preventivas no âmbito da consciência individual, as sentenças punitivas dos tribunais não serão nem suficientes nem eficazes para controlar o descalabro político e social das relações entres as pessoas e impedir o desmantelamento das instituições jurídicas.
A atitude prática mais displicente do cidadão brasileiro é imaginar que a lei resolve, por si, problemas e dificuldades e que sua força opera automaticamente no coletivo. A lei, no entendimento geral, é para a sociedade, para os outros, o que dá brecha para o indivíduo burlá-la em benefício próprio sem ligação alguma com os prejuízos sociais, materiais ou políticos do outro. Sendo a lei uma norma para o coletivo, o cidadão brasileiro de todas as classes sociais e categorias profissionais, investido de qualquer grau de poder − do Presidente da República ao homem sem teto − sente-se acima da lei, atitude reforçada pela confiança de não ser descoberto ou punido. L’état c’est moi, a lei sou eu.
As contravenções vão do excesso de velocidade nas vias, do lixo e entulho jogado às margens da rodovia, dos pequenos e grandes assaltos, da invasão de áreas urbanas, dos roubos cotidianos em supermercados, restaurantes e livrarias, das mentiras políticas, do saque ao erário à corrupção desavergonhada de servidores e personalidades públicas.
O amortecimento da consciência pela valorização do direito individual exclusivo de ser e de ter obstrui o caminho da convivência saudável entre as pessoas. O poder das infrações individuais, multiplicadas indefinidamente, sufoca a força intrínseca da lei e desvirtua a autoridade dos juizes em detrimento da coisa pública. A lei não pega no coletivo porque não aderiu à consciência individual na expectativa de construir laços de convivência civilizada. O período de barbárie generalizada de descumprimento de qualquer lei sem a presença do agente policial se prolongará por muitos anos se o brasileiro de cima e o de baixo não compreenderem que o outro somos nós, isto é, não há leis para o coletivo.

Nenhum comentário: