sábado, 9 de janeiro de 2010

AS VÍTIMAS TÊM AVÓS

Milhões de mãos humanas, há quinhentos anos, espantando e desalojando povos nativos e preguiçosos de nossa América, construíram cidades e monumentos que são orgulho dos descendentes.
Arrasaram montanhas, aplainaram vales, derrubaram árvores milenares, mudaram o curso de rios, abriram caminhos para conquistar terras mais além e mostraram aos habitantes do futuro os horizontes infinitos da expansão e satisfação de necessidades novas e ambições antigas.
Em sua caminhada gigantesca, essas mãos prodigiosas removeram pedras, enfrentaram ondas medonhas de mares nunca dantes navegados, rasgaram o céu em todas as direções. Embalados nesse espírito de aventura, vamos nós, filhos, netos e bisnetos dos desbravadores, confiantes de alcançar os picos da glória que eles apenas sonhavam.
A ironia da história, porém, ameaça mudar as razões do orgulho que sentimos pelo heroísmo dos que nos precederam. Monumentos, casas, pontes e montanhas vêm abaixo e se esfarelam como frágeis castelos de areia. Sob os escombros ou afogados nas repentinas águas desaparecem crianças, homens e mulheres. Pontes que desafiaram torrentes durante dezenas de anos, plantadas e garantidas por cálculos matemáticos de engenheiros e geólogos, cujos nomes figuram nas placas comemorativas, ruíram. As grandes e produtivas lavouras semeadas, onde bosques e florestas, antes, escondiam feras e serpentes, foram cobertas pelas águas da chuva que não encontraram outro lugar para se refugiar. Igrejas antigas, patrimônio da memória mística e cultural, pousadas, erguidas temerariamente em paraísos naturais para repouso do guerreiro moderno, caíram solapadas pela força oculta da lei da gravidade.
Os vivos, atônitos, desconsolados, balbuciando desesperada filosofia das perdas irrecuperáveis, mas conformados pelo golpe indecifrável do destino, manipulado pelo desconhecido, enterram os mortos e garimpam nas ruínas as lembranças de um passado quase presente. As vítimas são filhos, netos e bisnetos dos que, bem intencionados, golpearam a natureza sem atentar que essas cicatrizes indeléveis não ficariam impunes.
As vítimas têm avós que, para abrir caminhos e alicerçar a felicidade de sua prole, não tiveram lágrimas nem lhes sobrou tempo para chorar a morte de árvores tombadas ao fio do machado.
Que saudade dos avós e das árvores!

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