quinta-feira, 17 de setembro de 2009

CIDADE-PARQUE ou PARQUE DA CIDADE

A rainha Maria de Médicis comprou o Palácio de Luxemburgo, em Paris, e as terras circunvizinhas ocupadas por monges e agricultores, no início do século XVII. Guardando a tradição da família florentina, em 1612, convocou naturalistas e arquitetos com o fim de proteger essa vasta área quase selvagem em ambiente de repouso, silêncio e meditação, hoje, conhecido como Jardim de Luxemburgo. Árvores centenárias testemunham a passagem do tempo e sobrevivem às gerações que descansaram à sua sombra.
Lá, como aqui, o olho grande dos construtores não resistiu ao ímpeto de derrubar árvores e pôr em seu lugar edifícios gigantescos como sinal de dominação da natureza. Diante da saga arrasadora de engenheiros e inversionistas da construção, em 1859, uma lei conservacionista refreou o fio do machado e delimitou definitivamente a atual área de 25 hectares para descanso dos parisienses.
Conheço o Jardim de Luxemburgo desde 1967. Mais de quarenta anos e nada mudou no projeto original de ser um ambiente de beleza, arte e grandeza natural. A ninguém se lhe ocorre, hoje, transformá-lo num parque de exposição ou num atalho de circulação de veículos para cortar caminho entre o local de trabalho e a residência do cidadão na era do automóvel. O Jardim não foi invadido com rodas gigantes, play-grounds, bares de música barulhenta ou restaurantes com estacionamentos privativos. Em espaços bem limitados estão quadras de uso infantil, canchas de bocha para idosos ou de esportes leves. A maior parte do Jardim é cortada de alamedas, cadeiras e bancos, um lago repousante, esculturas de escritores, artistas, pensadores, representações da vida cotidiana, de mitos e da história cultural e política da França. Um quiosque para o chá ou o vinho e um discreto restaurante protegido por imensas árvores atraem os frequentadores para o refrigério das tardes quentes ou o aquecimento nos dias de inverno.
É um espaço amplo, com muitos bancos para sentar, pensar e conversar, à beira de um lago. Aberto, acolhedor, generoso, tão grande quanto os desejos e as aspirações do espírito e as sublimes provocações da inteligência do ser humano. Um parque é para estar, passear entre árvores e canteiros de flores para conhecê-las, amá-las e respeitá-las.
Conservar a história urbanística e paisagística de uma cidade é não ter medo de multiplicar espaços amplos, tranquilos, silenciosos onde repousem à noite os sonhos e os amores vividos durante o dia.
É tranqüilizador constatar que ninguém se atreve, contra a história e a consciência cultural dos cidadãos, mudar a destinação do Jardim de Luxemburgo, amputá-lo, introduzir funções outras que não sejam as do repouso artístico e, muito menos, decidir pelo adensamento da construção depredadora.
Conservar é manter as conquistas de nossos antepassados e melhorá-las sem deformá-las. O Parque da Cidade de Brasília poderia se espelhar no Jardim de Luxemburgo e transformá-lo num jardim para pessoas, sem a presença do automóvel.

Nenhum comentário: