segunda-feira, 21 de setembro de 2009

O ESPELHO

As vitrinas são do tempo em que não havia internet. Ao longo das calçadas das ruas de Paris, elas desfilam incansavelmente todas as modas, da cabeça aos pés. Muitas mulheres usam a vitrina para arrumar o vestido, pentear o cabelo, competindo com manequins de caras surpresas e outros sorridentes. Proprietários atentos colocaram um verdadeiro espelho, grande, generoso, gentil para essas funções secundárias. Os virtuais clientes passam pelo espelho e, se ouvem um bom conselho, olham a vitrina e entram.
A senhora que ia à minha frente passava dos 70 anos, pequena, magra, guardava sua antiga e conformada feiúra. Caminhava de vagar, sapato raso e uma pasta de couro na mão. Parou diante do espelho. Eu vi seu rosto lá dentro e o espelho não lhe fez nenhuma concessão. Vi seu olhar de desgosto e decepção. Ouvi o que ela disse, resumindo sua conformação mortal:
− C’est ça!
E o disse a si mesma como se estivesse convencendo alguém sobre uma verdade inquestionável. Continuou sua caminhada, indiferente às vitrinas que a convidavam a entrar. Ela seguia remoendo a tese filosófica que o espelho lhe havia exposto com a frieza de Aristóteles e de Cícero sobre o tempo que passa e a arte de envelhecer. O tempo não tem culpa quando o espelho nos diz que os anos passaram e nos levaram consigo.

Nenhum comentário: