quinta-feira, 24 de setembro de 2009

ASSALTOS, ROUBOS, MORTES

Os noticiários cotidianos de TV, em tempo real, abrem seu jornal com roubos, assaltos, mortes, algumas delas precedidas de torturas. Milhares de câmaras instaladas nos prédios, nos postes, em supermercados, estacionamentos, em telefones celulares captam flagrantes e testemunham os atos cometidos.
Esses mecanismos, parece, não intimidam nem inibem tais tipos de ação. Facilitam, por outro lado, a prisão dos envolvidos, mas não desestimulam as iniciativas nem desvirtuam a tentação, o desejo e a vontade de quem é levado a agir nessa direção.
A presença direta da polícia tampouco é um obstáculo intransponível para evitar roubos cinematográficos. Não raro, esses fatos acontecem a alguns passos de delegacias e postos policiais. A presença ou proximidade da polícia pode até ser um elemento auxiliar para o roubo, pois baixa a guarda, relaxa a atenção dos que confiam nela e não desconfiam do imprevisto e da surpresa. Mais grave é quando a polícia compõe as circunstâncias, faz parte da inteligência da ação ilícita e reparte o botim.
Vale recordar que existem sociedades, em nossa era, onde não se pratica o roubo e não se gastam fortunas em tecnologias eletrônicas ou em polícias armadas para o controle social. Obedecem a um diferente processo social e educativo.
O roubo, a subtração, a apropriação indébita em todos os níveis – da banana aos cofres públicos – apesar de todos os controles, da fiscalização periódica, do policiamento eletrônico, das denúncias e prisões – são sempre e cada dia mais prováveis e reais por duas razões, reforçadas por outras secundárias.
A primeira é a disponibilidade crescente de bens, patrocinados pelo progresso tecnológico e pela acumulação, transformados em sonhos de consumo e ascensão social pela propaganda e publicidade. Está em voga um processo pedagógico avassalador que dá dimensões infinitas ao ter e reduz o ser ao mínimo necessário. Empurra-se a sociedade para a conquista da felicidade primitiva de luta pela sobrevivência dos mais fortes. O crescimento econômico e a criação de necessidades estimuladas são fatores importantes de consumo aberto para todos. O estímulo ao consumo pelo bombardeio intenso da publicidade é infinitamente mais forte do que qualquer mecanismo de policiamento físico ou eletrônico de controle punitivo.
A segunda razão tem origem no operador da ação. É uma decisão formulada por ele em cuja trama está o inconsciente e o consciente, o subliminar e o liminar. Ele é informado incessantemente sobre a existência de bens que estão em algum lugar e é provocado a chegar até eles. Sua vontade de obtê-los, sua coragem, inteligência e determinação se transformam em poder aquisitivo.
Forma-se a lógica sub-reptícia do equilíbrio distributivo: o que está sem uso na mansão milionária ou em lojas finas pode ser transferido para um novo usuário. A lógica é a mesma para a subtração da banana, das joias, do dinheiro do banco ou do erário. O tratamento judicial e policial dos fatos e das pessoas, no Brasil, é que faz a diferença.
O que choca, impressiona e indigna é o ato violento, a tortura e a morte que muitas vezes acompanham um assalto, um roubo ou uma simples subtração. Mata-se por um tênis ou por um saldo bancário. Não há que misturar ideológica e metodologicamente o desemprego, a necessidade, a pobreza, a desigualdade econômica com a eventual violência numa operação de roubo. A diversidade das ocasiões, das oportunidades, dos desejos e das ambições envolve pessoas de distinta formação, educação e categoria social. Exemplos não faltam.
Uma operação empreendida, ainda que armada, é arriscada. É uma guerra. Há um confronto de forças em jogo. Há um tempo a ser cumprido. Há objetos a serem recolhidos. Há resistência na defesa do patrimônio e há imprevistos e distrações. Há momentos, nesse confronto, em que arrombar uma porta ou matar a pessoa estão no mesmo nível de decisão: são obstáculos a superar na consecução do objetivo. O latrocínio, implícito nas circunstâncias de risco, pode não ser premeditado como são alguns atos de eliminação de arquivos vivos por personalidades invisíveis bem situadas na sociedade. O número de mortes em assaltos e roubos é bem menor do que os roubos limpos efetuados por profissionais.
As medidas tradicionais de caráter social ou policial tomadas para inibir, dificultar ou impedir assaltos, roubos, subtrações de qualquer espécie perdem, diante da imensa e crescente disponibilidade de bens ociosos e desnecessários, sua virtude e credibilidade e tornam-se inócuas, ainda que as prisões se encham. Gerar empregos, aumentar ou redistribuir a renda individual, construir casas, abrir escolas e universidades devem fundamentar-se numa pedagogia que abra perspectivas ilimitadas e infinitas ao ser, única forma de dar a justa proporção à necessidade de ter. Nossa sociedade é dirigida pelo princípio pragmático de que é preciso ter para ser.

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