quarta-feira, 10 de junho de 2009

CARRO OU AUTOMÓVEL

Nos anos 70, eu era empregado do extinto Banco Nacional de Crédito Cooperativo e ocupava uma das coordenadorias do primeiro escalão. Recém-chegado a Brasília, não tinha alternativa para me dirigir ao trabalho a não ser o automóvel. Minhas economias iniciais, depois de três anos de bolsista, deram para a compra de um fusquinha 1.300 em doze prestações.
Meus colegas de primeiro escalão ajustaram o carro ao cargo. Um deles, fascinado pelos monstruosos computadores da época, pensava entender do complexo campo dos sistemas. Era um medíocre contador, mas tinha pose de cientista. Adquiriu um Alfa Romeu e era respeitado pelo carro não pelo cargo. Havia poucos automóveis circulando por Brasília, na época, e o carro do ano tentava e dominava meus colegas. Meu fusquinha era um gigante. Fui com ele a Florianópolis, às águas termais de Minas Gerais, a Penedo, a Natal, atravessando a Bahia e meio Nordeste.
As décadas passaram. O carro se popularizou. A população de Brasília aumentou exageradamente. As vias se multiplicaram. Vieram os viadutos, as invasões, os condomínios, as pontes do Lago Paranoá. Um carro para cinco habitantes, depois para três, para dois. Com 500 mil carros o DF entrou para a história dos acidentes de trânsito, engarrafamentos, falta de estacionamentos. Um presidente reedita o fusca. Todo mundo têm carro. Zelador de bloco, marceneiro, pintor, vigia, gari, barbeiro. Mais de um milhão neste ano.
O carro zero recebeu tratamento diferenciado com créditos a perder de vista, 60, 70, 80 prestações. Realizado o sonho do carro próprio. Todo mundo quer estar no engarrafamento diário. O brasiliense entrou na cultura das retenções de 30, 50 quilômetros.
Mas o brasiliense é criativo. Já que todo mundo tem carro é preciso distinguir carro de automóvel. Não é a mesma coisa. Aquele Alfa Romeu que se distinguia na década de 70, agora se chama Toiota, Citroën, Renault, Honda, Yundai, com seus apelidos distintíssimos: Corolla, Pajero, Picasso, Celta. Não basta ter carro só para diferenciar-se da massa que enfrenta ônibus e metrô. É preciso entrar num engarrafamento com um veículo de 300 mil reais, ar condicionado e música estéreo para valorizar as vias duplicadas e os viadutos alargados.
Os tempos mudaram. É preciso adaptar-se a eles, ao carro de alta tecnologia e ao ritmo andante ma non troppo da ópera ensandecida da tragédia do trânsito.

Nenhum comentário: