quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

OUVINDO A NATUREZA

Neste tempo em que o dinheiro vale mais que as árvores e a riqueza desmedida, mais que os mananciais de vida pura, ouvir o gemido de um poeta exilado pela tuberculose em Campos do Jordão, é como penetrar devagarzinho num bosque silencioso.


Aqui, na solidão destes pinheiros graves,
Eu venho muita vez, a sós pela noitinha,
Ouvir a natureza incompreendida, a minha
Amada, a minha amiga, a minha confidente.

Ouvir a natureza! Esse gemer plangente,
Essa apagada voz de surdinas estranhas,
Que vem dos ribeirões, que sobe das montanhas
E acorda dentro da alma em nossa soledade
Um místico pungir de mágoa e de saudade.

Ah! Cada árvore tem uma íntima linguagem.
Ah! Cada árvore tem fremindo na ramagem
Uma alma como nós que nós não vislumbramos,
Mas que vibra no ar e palpita nos ramos.

Já repararam como as brisas vespertinas
Sopram, e como a gemer, sofrem as casuarinas?
E choram os chorões? Soluçam os pinheiros?
Murmuram os ipês e cantam os coqueiros,
Quando o vento ao passar, balouça-os palma a palma?

Homens reparem bem que as árvores têm alma!
Reparem que à noitinha, à luz do lusco-fusco,
O ruído, os sons, a vida estancam-se de brusco
E cada arvore fica imersa num cismar
De quem compreende e sente a dor crepuscular.

Oh! Vós que respirais a poeira da cidade,
Jamais entendereis a doce suavidade,
A música dorida, a estranha nostalgia
Que vem da solidão quando desmaia o dia.

Vós nunca entendereis a rude grandeza,
Essa infinita paz, essa infinita tristeza
Que sai do coração da mata bruta, quando
Resplandecem no céu os astros palpitando.

É preciso viver longe da turba humana,
Longe do mundo vão, da vida insana,
Para sentir, amar, ouvir essa tristeza
Que exala ao pôr do sol a maga natureza.

Ah! Quanta vez eu fico a sós, pela noitinha,
Ouvindo a solidão, a inspiradora minha!
Ouvindo o pinheiral com seu gemer infindo,
Ouvindo a noite, ouvindo as árvores, ouvindo
Os ventos e, na volta exígua de uma curva,
Ouvindo o ribeirão de correnteza turva,
Que vai, soturno, animando o estrépito das águas,
Consigo rebramando incompreendidas mágoas.

E assim, no ermo da tarde, escutando, enlevado,
Esse vago murmúrio, esse rumor sagrado,
Eu quedo-me a cismar num êxtase de crente,
Como se eu estivesse a ouvir confusamente,
A própria voz de Deus ecoar na solidão,
Povoar a Natureza e encher meu coração.

Paulo Setúbal

Um comentário:

C.B.Marra disse...

Vale a pena rever este poema. Parabéns pela cultura.