quarta-feira, 7 de maio de 2008

O POUCO do MUITO

Intriga-me, desde muitos anos, o conflito entre o crescimento econômico em busca da elite luxuosa e o crescimento da população que persegue o necessário para se manter à margem da riqueza que passa por ela.
Há um lema não pronunciado por trás desse perverso sistema que consolida a desigualdade das oportunidades: dá o absoluto necessário à maioria e terás o regime que quiseres.
Estimula-se assim o crescimento da população com maior velocidade do que o da oferta de bens ao alcance de todos. O necessário absoluto amortece a virtude, anula o ânimo, abafa a expectativa, derrota a ambição da maioria sempre atenta a quem lhe possa socorrer a mão estendida para a esmola.
O menos compreensível, todavia, é o riso da maioria. Os pobres riem quando expõem suas necessidades e os desastres de que são vítimas com a mesma intensidade do riso dos ricos quando contam as vicissitudes experimentadas num restaurante em que a farra custa um salário mínimo.
Nada melhor do que um simples exercício matemático para me deixar incapaz de compreender a distância entre a euforia dos administradores públicos e o riso dos pobres.
Primeiro exemplo. A família do senhor L. X. da Silva se compõe de 6 pessoas. O salário mensal do homem – R$ 735,00 – soma-se ao da mulher que produz sobremesas – R$ 250,00. Divididos entre os seis, cabe a cada um a parcela de R$ 164,16 por mês ou uma diária individual de R$ 5,47. Cada refeição sairá por R$ 1,82. A diária de R$ 5,47 terá que pagar, além da comida, a sandália havaiana, a bermuda, a camisa de malha, a cota de luz e água, o lápis e o caderno. Que dizer do cinema, do teatro, do CD, da revista, do jornal, do transporte? A solução proposta? Empréstimos bancários, compras a crédito, endividamento crônico.
Segundo exemplo. A família Crispim tem um salário de R$1.390,00, dividido entre três. A diária de R$ 15,44 faz a diferença não tanto pelo valor do ingresso, quanto pelo número de pessoas que dividem o salário mensal. No primeiro exemplo, se o número de pessoas fosse igual ao do segundo, a diária dobraria. Há, então, uma relação nítida entre salário e número de pessoas que o partilham.
Terceiro exemplo. Um detento em nossas prisões de segurança máxima custa ao povo brasileiro a quantia mensal de R$ 1.420,00 ou uma diária de R$ 47,33.
Não chego ao cinismo de dizer que se prendam todos os brasileiros. Apenas que se revisem os argumentos que atribuem ao mero crescimento econômico e à expansão do consumo o poder de reduzir as desigualdades que separam cidadãos de um mesmo país.

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