quarta-feira, 14 de novembro de 2007

O LIMBO

Meu amigo Marcondes me telefonou. Não escondeu sua frustração incurável diante dos anúncios do Vaticano de extinguir o Limbo.
Privado do batismo pelo pai comunista, morreria pagão. Tinha escolhido seu lugar no além, um espaço que julgava quieto e silencioso, à meia-luz, longe de diabos e anjos, esses espíritos xeretas que vasculham nossa vida e nos chateiam pelo bem e pelo mal que fazemos.
Era das poucas fábulas que ainda embalavam os dias restantes de Marcondes. O paraíso sempre lhe pareceu distante, no fim de um difícil caminho e, na prática, inacessível. Ele detesta pistolões para lhe conseguir um lugar lá em cima. No Limbo, podia entrar sem bater. Quase aos prantos, depois de me explicar a origem e o criador desse lugar maravilhoso, fez-me um pedido.
- É preciso salvar o Limbo. É inconcebível que milhões de criancinhas, pagãos, loucos, bêbados de carteirinha, vagabundos, índios antes da Descoberta do Brasil e quase todos os chineses mortos sejam despejados de sua casa com tamanha frieza.
O espaço do Limbo foi inventado por São Gregório, no século IV, e depois aperfeiçoado por Tomás de Aquino no século XIII com o fim de resolver o problema teológico das crianças que morriam sem batismo. Teólogos mais rigorosos, antes de Gregório, haviam determinado que iriam para o inferno todas as almas não batizadas. Poetas, pintores afeitos a bibliotecas e galerias dão ao limbo nomes artísticos: ante-sala do Paraíso ou mezzanino do Inferno.
O limbo se origina da palavra latina que significa "borda", "limite". Faz sentido. É uma quarentena para não contagiar nem ser contagiado. Para se enturmar com anjos e santos, o pagão passaria por uma purificação, reservada aos mortos sem passaporte cristão. Muita gente de bem viveu antes da chegada de Cristo. Não estavam informados das novas leis. Nem sequer conheciam a Judéia. Moravam no Pólo Norte, nas selvas da Amazônia, nos confins da África. O Limbo serviria de reciclagem de conhecimentos, atualização de regras do jogo, com a oportunidade de escolher entre o céu e o inferno. Bem bolado. Daqui, deste vale de lágrimas, mandam-se mensagens aos do paraíso para que acelerem os processos e liberem os inocentes.
O limbo é um lugar antigo e limpo. Tem história. Ali ninguém tem razão. A ignorância dos dogmas nivela a todos. São todos autistas. Olham a tudo com cara de paisagem. Não há discussões, não há partidos, ninguém condena ninguém. É uma atmosfera ideal para ser feliz. O limbo foi uma auspiciosa descoberta.
Soube, ontem, que o Vaticano suspendeu o veto que extinguia o Limbo. Aonde mandá-los? Não houve acordo entre teólogos sobre o destino dos habitantes do Limbo. Telefonei a Marcondes para tranqüilizá-lo.
- O Limbo está onde sempre esteve. Em lugar incerto e não sabido.

eugeniogiovenardi@yahoo.com.br

14-05-2007

Nenhum comentário: